quinta-feira, abril 25 2024

Por Camila Picheth

No livro Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo de Carl Jung, o autor afirma que “tanto nos mitos e contos de fadas, como nos sonhos, a alma fala de si mesma e os arquétipos se revelam em sua combinação natural”. Dessa maneira, podemos dizer que em qualquer tipo de história haverá elementos da psique humana, mesmo que o autor não tivesse a intenção de colocá-los. A série de televisão Stargate SG-1 (1997-2007) trata da descoberta de um grande círculo de metal capaz de criar “buracos de minhoca” estáveis, possibilitando uma viagem pelo tempo-espaço até outros planetas. Há várias características da mitologia grega e egípcia propositalmente colocadas no roteiro, como o encontro com um grupo de mulheres guerreiras agindo como Amazonas ou a nomeação da primeira nave espacial da Terra de Prometeu, mas é possível encontrar ainda outros elementos da Psicologia Analítica nas entrelinhas. O mais potente encontra-se no objeto que dá o nome ao seriado: o próprio Stargate (círculo de metal). De várias maneiras ele representa o inconsciente, forçando uma evolução e uma ampliação da consciência de todos que passem pelo seu interior. O simbolismo referente ao Stargate fica claro primeiramente pelo seu formato. Jung descreve que “os corpos redondos são formas semelhantes às que o inconsciente traz à tona através dos sonhos, das visões, etc”. Além disso, uma vez que é feita uma conexão entre a Terra e outro planeta, o interior do círculo enche-se com uma substância semelhante a água, a qual nada mais é o símbolo mais comum do inconsciente. Na mitologia grega, a água sempre foi um forte elemento nas tramas, como visto na gravidez de Etra, na morte de Egeu ou na aprovação de Minos como rei de Creta. “É o mundo da água, onde todo vivente flutua em suspenso, onde começa o reino “simpático” da alma de todo o ser vivo”.

O grupo militar da Terra que possui tal dispositivo o usa para explorar outras civilizações, tentando trazer conhecimentos e tecnologia que ajudem tanto os habitantes da Terra quanto na guerra contra os Goa’uld (raça parasita alienígena que usa seres humanos como escravos). Sempre que os grupos passam pelo stargate, eles encontram novas sociedades, as quais fazem com que os personagens e o telespectador reflitam sobre a sua própria. Jung coloca que, para se conhecer a fundo, é necessário encontrar-se com a sua sombra. Ela representa o lado oculto e reprimido de uma pessoa (para os fãs de Dexter, seu dark passenger). A sombra será cruel e  não poupará quem a encontrar, mas é vital para que esse auto conhecimento aconteça. Ao se deparar com terríveis sociedades que discriminam e matam parte de seus habitantes ou ingênuas populações que usam tecnologia avançada para se destruir no lugar de viver pacificamente, os membros que viajaram pelo “inconsciente” percebem não apenas suas sombras projetadas em outros indivíduos, mas também a sombra da sociedade como um todo. Sendo forçados a dialogar com essas pessoas, o grupo toma consciência de suas próprias ações, causando uma transformação pessoal.

Ao decorrer das temporadas, descobrimos que quem criou a rede de stargates foi uma velha raça denominada “Os Anciões”. Eles dominaram as galáxias durante muito tempo, até serem surpreendidos por uma praga. Alguns morreram, enquanto outros acenderam para um plano de existência superior, tornando-se energia. Tais fatos se encaixam na Psicologia Junguiana, uma vez que o círculo, a mandala, representa “um símbolo de totalidade por excelência, um redondo, um completo, um absoluto”. Assim como “Os Anciões”, é algo que sempre foi onipresente. Tendo essa imagem ligada ao fogo e à luz, os povos da antiguidade ligariam tais objetos (ou pessoas que saíssem por eles) com os deuses. Para manter os humanos em seu controle, os Goa’uld se passavam por deuses egípcios, como Rá, Apófis, Hathor e Anúbis. A crença era mantida pelos humanos justamente porque esses seres se locomoviam por meio dos stargates, sem contar que também possuíam grandes naves espaciais num formato parecido, novamente ligando o redondo ao supremo.

Enquanto alguns chamam os seriados americanos de “enlatados”, outros conseguem ver por debaixo da superfície e expandem seus conhecimentos. Nenhuma história existe como tabula rasa, uma vez que são criações de mentes que possuem um inconsciente razoavelmente autônomo. A mitologia e a psicologia analítica estão presentes em qualquer coisa desenvolvida pela mente humana, que está conectada por arquétipos coletivos (como um banco de dados de conteúdos básicos que todas as pessoas têm acesso desde seu nascimento) durante centenas de anos. Quem se interessar pelo assunto, fica a dica do livro já citado Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo e o artigo Um Mito Moderno Sobre Coisas Vistas no Céu, ambos de Jung.

 

13 comments

  1. Camila, parabéns pelo texto. Ainda não consegui terminar a série, mas lendo fiquei com muita vontade de retomá-la logo. Considerando a temática e tudo que vi dela, Stargate só perde para Battlestar Galactica.

  2. Li só o começo do texto para fugir de spoilers… Estou fazendo maratona de SG-1 (acabei a 5a temporada agorinha) e estou gostando absurdo dessa série. Não sei como deixei passar.

  3. Obrigada, Davi! Sim, a mitologia da série abrange vários aspectos, sendo que as características do stargate é só uma delas. Só Battlestar Galactica mesmo para ganhar de Stargate.

  4. Também não acompanhei a série enquanto estava passando. Só fui começar a assistir esse ano, e foi obsessão total até consumir tudo.

  5. Camila muito bom o texto, estou curtindo muito o site!

    Conheci o universo Stargate através de Stargate Atlantis e acabou sendo amor à primeira vista.
    Fiz maratona de Stargate e acabei gostando bastante.

    Uma coisa que gosto muito na série. são os mitos criados por aquelas sociedades primitivas em cima da tecnologia dos antigos.

    Battlestar Galactica fica em 1 no meu top 10 de séries.

    Mas Stargate tem uma mitologia maior que Bsg até em termos reais de física energia negativa abrindo as cordas cosmicas (os gates), multiverso em SGA e a não localidade quântica na ascensão dos antigos.

    Acho que BSG tem os conflitos sociais bem trabalhados é só. No caso de Stargate como são “multi-sociedades” fica complicado trabalhar tudo em um ou dois episódios, em compensação o choque cultural é bem feito.

    Não se fazem mais boas séries né muito menos com idéias originais.

    Aff fiquei com vontade de ver SGA agora!

  6. Bem interessante o texto, não achei que a série chegasse a esse nível. Vi SGU (e, exceção à regra, gostei bastante) e penso em ver SG-1, o fato de ser mais profundo do que eu achava me estimulou mais a ver. Boa parte da mitologia já conheço devido a SGU, mas assim que criar coragem começo a ver, 10 temporadas é barra pesada hehe
    Uma dúvida, nas legendas de SGU o povo traduzia The Ancients como Os Antigos, mas como não tenho ideia mais precisa de que eles eram, queria saber se sabe se uma das traduções é a mais “oficial”.

    Valeu aew =)

  7. Sou fã da Amanda por assistir Sanctuary…Fui ver outros trabalhos dela e vi essa série…Li um pouco e fiquei meio com vontade de vê-la, mas não muito. Depois desse texto, estou totalmente decidida e começando a baixar agora msm!!

  8. Tenho o box com as 10 temporadas de SG-1 e, no começo, eles traduziam Os Antigos, depois começaram a traduzir como Anciões. Tanto faz, o importante é saber que esse povo é beeeeem velho hehe.

  9. OMG! Eu estou em desespero! Simplesmente fileserve e megaupload tinham toda a série mas não deu tempo de baixar!
    Please, alguem tem essa série que poderia upar no mediafire? Sem exagero, parei no 6×13…eu quero ver o restante!!!

  10. Eu tenho tudo que existe sobre essa série. Dos bonecos e livros aos DVDs e Blu-rays originais da séries e dos filmes, alem de autógrafos de alguns atores, como Richard Dean Anderson.
    Para mim não existe nada mais bem feito que esse universo ficcional.

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