quinta-feira, abril 18 2024

FOXCATCHER

Mark Schultz é um lutador e campeão olímpico cuja força, técnica e agilidade são inversamente proporcionais à sua capacidade de articular palavras. Um dia, ele é chamado pelo milionário John du Pont, que monta na sua fazenda Foxcatcher um centro de treinamento para a equipe olímpica de luta, hã, olímpica, mas logo as relações entre eles (e o irmão de Mark, Dave, que aparece mais tarde) vão azedando e a convivência acaba se tornando uma verdadeira luta (trocadilho obrigatório).

Foxcatcher (Foxcatcher – Uma História Que Chocou o Mundo, em mais uma incursão das distribuidoras brasileiras no clássico subtítulo desnecessário e semi-spoiler) é um filme incômodo. Possui personagens peculiares, perturbadas, que escondem a normalidade debaixo do colchão antes de saírem de casa, e cujas interações são quase sempre com alguém pisando em ovos. Possui lutas, um clima de tensão, esforço, trabalho e frustração. Possui Steve Carell com uma maquiagem que o candidataria para um filme do Tim Burton. Entretanto, acima de tudo, possui uma história envolvente e muito bem contada que manda o espectador para fora da sala de cinema procurando um ursinho de pelúcia para abraçar.

Afinal, desde o início a produção toma o cuidado de mostrar muito bem as características de cada um: Dave é o sujeito sociável, despojado, que conhece o esporte e é um líder natural e referência no que diz respeito à luta olímpica; Mark é um bloco de pedra ao mesmo tempo talentoso e limitado e com a necessidade de depender de alguém; e John du Pont é tipo uma manifestação física do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. A partir daí, Foxcatcher vai aos poucos levando suas personagens a situações desconfortáveis, explorando, por exemplo, a sensação de impotência de Mark (o momento em que ele desdenha da ajuda do irmão e acaba dando com os burros na água) e sua bizarra dependência de uma figura de liderança – que, quando se volta para du Pont, remete a uma relação entre um dono e seu animal de estimação (inclusive, em determinada cena onde du Pont está sentado, Mark se comporta tanto como um pet que quase dá para visualizar uma foto dele no Instagram).

FOXCATCHER

Aliás, du Pont se torna a personagem mais complexa e interessante da produção, conseguindo ao mesmo tempo manter autoridade sobre seu pupilo de orelhas detonadas e ser completamente submisso a outras pessoas (no caso, Dave e sua mãe). Indicando a solidão do sujeito através de histórias (o amigo de infância) e pequenos detalhes (ele sempre veste o abrigo do time, para se sentir parte do grupo), Foxcatcher cria um homem inseguro, problemático, com ilusões de glória e conquistas que nunca se concretizam, mas que utiliza sua fortuna e infraestrutura para participar do grandioso e colorido mundo da luta olímpica (e que se sente oprimido por toda a história de sucesso da sua família – o filme eventualmente mostra retratos antigos pendurados onde a pintura parece estar observando os acontecimentos, como se os antepassados estivessem olhando para du Pont e dizendo “tá e aí?”). Uma versão endinheirada do gordinho dono da bola de futebol, em sumo. E muito disso se deve à atuação descomunal de Steve Carell, que, irreconhecível, procura olhar de cima e falar pausadamente para conferir um pouco de orgulho ao milionário, enquanto dispara vulnerabilidade através de uma postura caída e quase imóvel (e é curioso como ela contrasta com a postura de Channing Tatum, cuja manifestação é totalmente física – basta ver como ele ilustra a frustração de Mark no quarto de hotel -, mas que demonstra uma posição mais submissa ao manter a cabeça curvada para baixo).

Dessa forma, a película vai estabelecendo e reestabelecendo a relação entre essas pessoas, mostrando como a convivência dessas personalidades peculiares (menos o Dave, que é legal e descolado e tem uma touca maneira) modifica o ambiente (em determinado momento, Mark abraça du Pont após uma conquista; em outro, recebe um tapa dele; em outro, sai brabo do recinto quando o milionário oferece uma sugestão). É uma jornada tensa como uma disputa por pênaltis, onde tudo parece pronto para desabar ao primeiro deslize, onde alianças vão sendo obliteradas por egos raquíticos e traumas de infância, e que ganha mais peso graças à quase ausência de trilha e à câmera na mão reforçando a instabilidade da situação. Foxcatcher só abre a janela e deixa o sol entrar um pouco na presença de Dave, que se torna um abrigo de confiança e capacidade graças à atuação incrivelmente sensível, carismática e calorosa de Mark Ruffalo – o que só torna o ato final da produção ainda mais monstruoso e perturbador.

O filme acaba correndo um pouco aqui e ali (um determinado diálogo – “cometi um erro trazendo você aqui” – é tão súbito que a palavra “você” poderia se referir ao próprio diálogo), mas são questões pontuais que pouco influenciam no resultado final. E o resultado final de Foxcatcher é um olhar tão próximo e penetrante em John e Mark que mesmo os golpes, a violência, o barulho, a dor, a derrota, o sofrimento e o sangue das lutas parece empalidecer diante desse conflito desgastante.

5star

2 comments

  1. Excelente crítica, que reflete exatamente minha opinião. Steve Carell em performance digna de Oscar, assim como Mark Ruffalo. Dois atores não muito valorizados, mas que sempre entregam muito.

  2. realmente, posso dizer que vc escreveu tudo que pensei sobre o filme. obrigado por invadir minha mente e trazer para o site minha opinião! admirei, e voltarei mais vezes para ler e ver minha representação aqui. rs.
    palmas para o filme, para Carell, para a crítica, para Foxcatcher.

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