sexta-feira, abril 19 2024

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[Sem spoilers] Quando escrevi sobre os três primeiros episódios de Narcos, comentei que a direção de José Padilha (Tropa de Elite, Robocop) deixava marcas tão fortes e evidentes nos primeiros capítulos da saga construída em torno da ascensão e queda Império de Pablo Escobar, que seria inevitável que o tom se mantivesse vivo por toda a temporada.  Na série, Padilha é creditado “apenas” como produtor executivo, mas é impossível negar que seu estilo e, sobretudo, o cuidado que dedica para humanizar personagens (dos mais odiosos aos mais nobres) esteja de fato presente em cada um dos dez episódios de Narcos que estreia no catálogo da Netflix nessa sexta-feira, 28 de agosto.

Ao longo de toda temporada, é notória a assinatura de Padilha, quer seja pela câmera na mão ou pelo tom documental que, em maior ou menor escala, o diretor sempre emprega em seus trabalhos, e principalmente pela postura crítica e, por que não dizer, cínica, que a série abraça para instigar discussão e reflexão sobre seu tema. Em Narcos, é claro que o Pablo Escobar de Wagner Moura tem papel fundamental na narrativa, mas a verdade é que a produção (fruto de uma parceira da Netflix com a Gaumont, responsável por Hannibal) propõe uma leitura que vai muito além da análise sobre quem foi esse grande chefão das drogas.

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Na essência, Narcos é um thriller que, por diversos motivos (a narração em off que conduz a história, sendo um deles), evoca a filmografia do mestre Martin Scorsese. Há muita ação (a sequência final do episódio 10, por exemplo, é espetacular), suspense, drama, claro, e até momentos que flertam com o humor e frases de efeito (“Claro que ele (Escobar) é santo. Manda as pessoas pro céu,” ouvimos um personagem dizer em dado momento). Contudo – e isso faz TODA a diferença aqui -, ao explorar, ao longo de seus dez episódios, a conjuntura sócio-política dos anos 70 e 80 (e a relação do governo norte americano, sobretudo, com a América Latina), fica clara a noção de que Narcos preocupa-se em não ser apenas uma obra de entretenimento.

E isso, claro, deve-se ao roteiro e à direção da série. Além de Padilha, que dirigiu os dois primeiros episódios, Narcos contou com outros três diretores: o mexicano Guillermo Navarro (que fez a fotografia de O Labirinto do Fauno e dirigiu episódios de Hannibal); o colombiano Andi Baiz (do remake latino de Breaking Bad) que foi responsável por episódios com forte teor político (episódios 5, 6 e 9), e o brasileiro Fernando Coimba (O Lobo Atrás da Porta) que comanda os episódios 7 e 8 que são quase que inteiramente focados nas impactantes e violentas consequências dos atos extremistas (como a explosão de um avião civil!) de Escobar contra o governo e a crescente rixa de seu cartel de Medellin com o de Cali.

A sempre marcante fotografia de Lula Carvalho é outro presente à parte na série, já que ela valoriza não apenas as mais variadas e fortes cores daqueles lugares (vale lembrar que Narcos foi gravada em locação na Colômbia), mas principalmente as sensações e emoções que surgem sob as luzes e sombras de lugares e pessoas mergulhadas naquele conflito. O mesmo elogio, aliás, podemos fazer para a trilha composta pelo também brasileiro Pedro Bromfman (outro colaborador constante de José Padilha) que incorpora ritmos e sons da cultura local (como a cúmbia) que valorizam demais os vários tons da série como o fazem, por exemplo, as faixas “Prologue”, “Perfect Product” e “Flying Drugs” (essas duas, inclusive, lembrando temas de Breaking Bad).

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E se os agentes do DEA feitos pelo chileno Pedro Pascal (o Oberyn de Game of Thrones) e pelo americano Boyd Holbrook ganham camadas complexas ao longo da temporada conferindo a seus personagens um quê de anti-heróis clássicos (os caras manipulam a lei, por exemplo, para atingir determinado objetivo), é mesmo o Pablo Escobar de Wagner Moura (Tropa de Elite, Praia do Futuro) que rouba boa parte das cenas ao longo da temporada. Sim, é provável que o leve sotaque de seu espanhol (língua que ele não falava e aprendeu para fazer a série) receba críticas aqui e ali, mas seria muito injusto não reconhecer o esforço do ator para conferir naturalidade a cada uma de suas falas, das mais densas às mais sutis.

O Escobar de Moura emula tudo aquilo que já ouvimos ou lemos sobre o chefão das drogas. Impressiona a composição que o ator dá àquele homem tão carregado de contradições e conflitos. Um sujeito que amava e era amado por sua família e amigos (impossível não comprar a cumplicidade de Escobar com seu primo e parceiro, Gustavo Gaviria), ajudava pessoas pobres, mas ao mesmo tempo era capaz de mudar de humor e fazer coisas terríveis, sem se importar com vidas inocentes, quando algo ou alguém se colocava como obstáculo em seu caminho. Características, aliás, que certamente devem ter inspirado Vince Gilligan e Bryan Cranston na concepção e desenvolvimento do Walter White de Breaking Bad.

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A história que Narcos nos conta é tão complexa, extensa e incrível, que o exercício da suspensão de descrença (quando o espectador aceita a premissa, por mais fantástica que ela possa ser, em favor do entretenimento) se torna uma constante tão inevitável ao longo desses dez episódios – finalizados num gancho que exige um novo ano que dê continuidade à trama -, que fica fácil acreditar na frase que é dita por um personagem em determinado momento da série: “Mentiras são necessárias quando a verdade é muito dura para acreditar.”

5star

Narcos estreia na Netflix nesta sexta, 28 de agosto, em todos os territórios onde o serviço está disponível.

19 comments

  1. Muito bom, acho que foi a crítica mais informativa que li sobre Narcos, não sabia que tantos brasileiros estavam envolvidos na produção. Espero que a série mate a saudade dos tempos de Breaking Bad.

  2. Acompanho o Ligado em Série há muuuito tempo e conheço o Davi Garcia de outros carnavais (Lost, claro!) e fico boba com a qualidade dos textos de vocês por aqui – cada vez melhores, mais bem escritos e de uma fluidez que eu até invejo. Parabéns!

    ps.: tô curiosa pra ver o sotaque do Wagner Moura, e ainda que não seja tão bom, com certeza vai ser relevado porque o cara é muito fera!

  3. Eu tinha visto que o Padilha, em entrevista, falou que uma das principais inspirações dele em como contar essa história era Os Bons Companheiros, do Scorcese.

  4. Davi, adorei seu olhar. O portunhol de Wagner Moura e as mudanças de linguagem não afetam a obra num todo. Assisti os 10 episódios seguidamente e estou na “fissura” pela segunda temporada. Abs

  5. Assisti aos 10 capítulos. Adorei mas não esperava que acabasse assim, do nada, qdo ainda vai começar a caçada final ao Escobar. Você sabe se eles já gravaram a segunda temporada e pra qunado está previsto passar? Fiquei triste de não ter logo a segunda para ver…

  6. Séries da Netflix sempre estreiam na mesma época de cada ano. Narcos ainda não foi renovada, mas no vídeo de entrevista que temos ao lado Wagner Moura informa que já está indo pra Colômbia gravar (o vídeo tem 2 meses).

  7. “Sim, é provável que o leve sotaque de seu espanhol (língua que ele não falava e aprendeu para fazer a série) receba críticas aqui e ali, mas seria muito injusto não reconhecer o esforço do ator para conferir naturalidade a cada uma de suas falas, das mais densas às mais sutis.” Resumiu exatamente o que penso do sotaque do Wagner e das criticas. Vi muitos veiculos falando que ele nao tem sotaque fiel ao colombiano,um espanhol tosco ou que nao é verossimil sem ao menos elogiarem e darem credito pro esforço que o Wagner teve de aprender uma lingua nova em alguns meses e tentar fala-la com naturalidade em cena.

    Já quero a segunda temporada

  8. Valeu, Vera! Sobre a língua, cocncordo totalmente. Há muito mais na composição do Escobar feito pelo Moura que o sotaque. Em 2016 voltaremos a esse mundo de Narcos. o/

  9. O sotaque me preocupou um pouco no início mas ao decorrer dos capitulos acabei perdoando. Só quem fala portugues e principalmente espanhol que ficará incomodado. Moro no Canada e amigos aqui nem notaram. Aposto que passará despercebido também para maioria dos nativos da lingua inglesa.

  10. Muito boa critica, em outras fontes que já vi das criticas de Narcos, diziam que a série é muito boa e bem produzida porém.. Se repete e não vicia. Só posso falar por mim, assistir a temporada em menos de uma semana. Quando será que vai rodar a 2º temporada???

  11. Ótimo, Davi. Não vou negar que no começo o sotaque (ou a falta dele) do Wagner me incomodou um pouco, mas isso vai sumindo com o tempo pelo tamanho da interpretação comedida e intensa. Ele passa intensidade, poder e tranquilidade, junto com a crueldade que fica sempre implícita pelos atos. Lembrando que o Marcelo Camelo é quem canta a música tema. Abraços,

  12. Por mais que tennha criticas o seriado estar top muito bon pra quando estar disponivel a proxima temporada

  13. Mano vendo narco depois que vc assiste Pablo Escobar o senhor do trafico sinceramente se senti frustrado, incrível como o ator se preparo para Pablo Escobar, narco é um puro clichê ate parece que estamos assistindo tropa de elite versão narco. narco e modinha tosca, não convence e quem realmente esta interessado na historia de Pablo, narcos não deve ser assistido.

  14. to assistindo desde ontem e ja to no capitulo 7 e hoje finalizo de fato bem impressionante o trabalho.
    Quanto ao ” sotaque ” nao ficou tao ruim…
    So uma duvida, alguem sabe me dizer se ainda ta disponivel no netflix o el patron del mal ? To tentando achar desde ontem e nao to conseguindo. Fiz a assinatura basica e nao sei se tem diferenca ( moro fora do Brasil ) minha amiga ta assistindo no Brasil porem eu nao consigo achar de forma alguma :( queria muito assistir

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