quinta-feira, março 28 2024

a-chegada

De uma hora pra outra, doze naves alienígenas decidem utilizar a Terra como estacionamento, todas elas tendo o formato de algo que você usaria para segurar a porta da cozinha. Como inglês não é matéria obrigatória na via-láctea, a dra. Louise Banks, referência mundial em línguas (no sentido acadêmico), é chamada para descobrir exatamente qual é a desse pessoal.

A Chegada é uma experiência engrandecedora. A ficção científica tem liberdade para correr solta no parque dos temas humanos, e o novo filme de Denis Villeneuve segue a mesma filosofia. Concisa, intensa e incrivelmente bem contada, a produção é um daqueles acertos que atiram o espectador para fora da sala com a cabeça em profusão e o coração apertado. Do tipo que a gente recomenda para os amigos e no dia seguinte já sai cobrando se eles já assistiram.

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Villeneuve comanda a coisa toda de forma cadenciada. As câmeras se movem devagar, e o diretor sabe construir bem a antecipação do encontro – além do recrutamento, há a caminhada pelo acampamento, os exames médicos, o transporte e por aí vai. A Chegada divide com o público tanto a curiosidade quanto o maravilhamento com a situação, contrastando a parte operacional (acampamento, corredores claustrofóbicos, computadores, objetivos) com a imponência das naves (a chegada de helicóptero até o local é linda), frequentemente enquadradas em contra-plongée por motivos de acima do nível do mar. A primeira visita, por exemplo, combina a empolgação de Ian com a preocupação de Louise, resultando em uma cena maravilhosa onde a gravidade se transforma em um cavalo louco, mas são os pequenos detalhes (a respiração ofegante da tradutora, o sorriso no rosto do cientista) que dão um significado maior ao momento. Isso envolve o espectador na atmosfera do filme, que ganha em emoção justamente porque o público compartilha da expectativa das personagens.

O próprio design de produção se junta a esse time, criando uma antecâmara totalmente vazia para os contatos, o que mantém o foco em Louise, Ian e os visitantes espaciais. A partir daí, a abordagem científica começa a atirar insights alucinados que revelam a inteligência daquelas personagens: e se a língua falada dos alienígenas for diferente da escrita? E se não perceberem a existência da mesma forma? Como traduzir uma comunicação visual que talvez nem faça sentido? O roteiro é hábil ao explorar as dificuldades encontradas pelos cientistas, conferindo um tom de progresso aos acontecimentos que faz a narrativa andar para a frente. Ao mesmo tempo, cria uma sensação de urgência graças à insanidade militar de resolver tudo na base do soco na cara e na completa falta de diplomacia dos países frente à incrível situação. Isso meio que acaba tornando a película ainda mais atual, principalmente em tempos de Trump.

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Ajuda também ter uma Amy Adams como protagonista, empregando todo seu talento para conferir vulnerabilidade e admiração à Dra. Louise Banks. A atriz consegue fazer a linguista mergulhar de forma natural nos mistérios de outro planeta, acompanhada de um Jeremy Renner empolgado e sorridente (e é incrível que no meio de tudo o filme ainda tenha tempo para investir em cenas onde ambos se conhecem um pouco mais). Afinal, é uma obra sobre temas humanos, e os dois cientistas são a agulha de humanidade no palheiro militar cheio de agressividade à flor da pele onde os alienígenas se encontram (não à toa Louise e Ian são os únicos que realmente se “mostram” aos visitantes, retirando o traje de proteção).

Pois quando a narrativa se torna mais complexa, é esse carinho e empatia que temos por Louise que cria o impacto do terceiro ato. É a descoberta de algo novo sobre aquela mulher, um tipo de amor que não encontra paralelos em nenhum outro. O intrincado roteiro se fecha redondinho, cada peça compondo um desfecho preciso, e consegue ir além: faz o público refletir sobre as decisões que tomamos na vida, a inevitabilidade das coisas, a importância de uma certa empatia para aproximar as pessoas e a quantidade acachapante de dor que o ser humano consegue aguentar por alguém que ama. E o filme não explica isso, ele provoca isso. É um golpe fortíssimo. Desorientador. Daqueles que ficam marretando a cabeça muito tempo depois do final da projeção. E é também o que torna A Chegada uma obra tão espetacular.

5stars

18 comments

  1. Assisti hoje cedo e vamos ser realistas: o filme é bom mas eu podia ter assistido em fast forward que eu acho que não ia fazer diferença…

    E de quebra ia ter economizado meu tempo. :P

  2. “enquadradas em contra-plongée por motivos de acima do nível do mar.” Seria interessante escrever o texto numa linguagem mais prática ou ele está voltado apenas para cineastas e estudantes de TV?

  3. tbm fiquei com essa sensação, se tivesse assistido os ultimos 20 minutos ja tava bom

  4. Não é nem querendo defender e tudo mais, mas, pra ser bem honesto, bastou 30 segundos e uma busca no Google pra entender o que é o termo…

  5. OK mas quando se le uma critica de filme, o leitor deve entender a critica de forma plena. Na minha opinião, claro.

    Se o blog é aberto a todo tipo de público, não vejo porque usar uma linguagem técnica pouco usual…imagina se estivesse escrito numa revista, o leitor deveria pegar o celular e pesquisar na internet o que o crítico quis dizer? Pra mim, não faz sentido.

  6. Pois é. Fica minha sugestão para que o autor do artigo reveja o procedimento nos próximos artigos, para que a mensagem chegue a todos sem distinção.

  7. Nem é uma coisa tão complicada. No mínimo é um estímulo a buscar e aprender algo mais.
    Mas é irônico ver esta queixa em uma crítica de um filme que fala sobre comunicação.

  8. Complicado ou não, minha crítica foi somente pq o autor usou uma expressão técnica sem explicá-la. É isso que se faz quando se publica um artigo ou reportagem, ainda mais em um site com publico amplo como esse. Não conheço a trama do filme mas se é sobre comunicação, acho que neste caso ela foi falha.

  9. Você conseguiu colocar em palavras tudo o que senti. O aperto no peito foi tão absurdo que entrei no meu carro após assistir e filme e chorei. Ele tem um profundidade tão intensa que não é todo mundo que está aberto para realmente deixar o filme ser tudo o que deveria ser. Simplesmente um dos melhores filmes que já assisti e não falo isso com a visão de uma ex estudante de cinema, mas com alguém que se entregou de corpo e alma à experiência.

  10. Assisti hoje e estou maravilhado, provavelmente assistirei outras vezes (utilizando bastante o pause e o slowmotion em algumas cenas). Não é um filme para ser apenas visto, passou a ser uma referência no tema, é um filme que está na categoria de obra de arte. Eu que tomei um susto quando assisti “Insendios” do Villeneuve pela tamanha intensidade, não tenho a menor dúvida do grande diretor que ele é depois de assistir A Chegada.
    Gostei muito da abordagem feita neste blog, mas vi muito mais que a técnica utilizada pelo diretor.
    Já estou atrás do livro “História da Sua Vida e Outros Contos” de Ted Chiang para fechar meu conceito sobre o filme. Saudações.

  11. Assisti e concordo plenamente com o André. O melhor filme que assisti em 2016 sem sombra de dúvida… assistirei mais de uma vez… super recomendo

  12. Realmente para quem esta acostumado a roteiros de holywood, o filme parece lento. Mas o filme consegue trabalhar muitos temas que a maior parte do público não se da conta. É um filme muito sensorial e excelente por isto.

  13. Pra mim ficou a sensação de um episodio de Lost. ..flashforward e choradeira…e jump! !!

  14. Que absurdo… não assisti Lost e nem preciso, afinal, todo mundo sabe que a parte boa de Lost é aquela que foi dirigida pelo J. J. Abrams, ou seja, o piloto, hehehehehehe.

    A Chegada é uma obra de arte, não pode ser apressada.

  15. Que absurdo… não assisti Lost e nem preciso, afinal, todo mundo sabe que a parte boa de Lost é aquela que foi dirigida pelo J. J. Abrams, ou seja, o piloto, hehehehehehe.c

    A Chegada é uma obra de arte, não pode ser apressada.

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