quinta-feira, abril 18 2024

O texto traz detalhes e pequenos spoilers da trama.

Após conhecer o talento e acompanhar o crescimento de um ator ou atriz em uma série de TV, é inevitável que, quando a produção acaba, o público e seus fãs continuem a torcer pelo sucesso e pela carreira proeminente do artista. Assim, a presença de Aaron Paul (Breaking Bad) em Need for Speed é, sem dúvida alguma, o maior chamariz deste longa baseado em uma franquia de games de corrida da Electronic Arts. Ainda que Hollywood consiga extrair grandes filmes com premissas tão simples quanto uma peça de Lego, este infelizmente não é o caso. A trama do filme é tão absurda e insustentável (piorando a cada releitura), que chega a ser doloroso ver que este foi o primeiro papel do excelente Paul após seis temporadas na pele do mundialmente adorado Jesse Pinkman.

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Ele interpreta Tobey Marshall, um mecânico restaurador de carros e piloto habilidoso que, após finalizar um job para um antigo desafeto (um “vilão” ridiculamente falso interpretado por Dominic Cooper), acaba se envolvendo em uma aposta, vê seu melhor amigo morrer em um racha, perde tudo e ainda vai preso por isso. Ao ser libertado, decide vingar-se do homem que o pôs atrás das grades e, para isso, resolve chamar a atenção de Monarch (Michael Keaton, numa das performances mais embaraçosas de sua carreira), organizador de uma famosa e enorme corrida clandestina anual.

Contando com um prólogo que se estende por tempo demais, a premissa do filme começa quase na metade da projeção quando, milagrosamente, a assistente britânica de um antigo cliente, Julia Maddon, coloca (sem nenhuma motivação aparente) um Mustang raro em suas mãos para que juntos eles: i) atravessem os EUA de costa a costa em poucas horas; ii) se exponham para agentes policiais rodoviários em quase todos os estados por onde passam com objetivo de atrair a atenção do Monarch e descolar um convite para a tal corrida; iii) façam uma pausa para pedir ajuda de um antigo colega mecânico (que pede demissão de seu emprego para jamais tocar no automóvel); e iv) finalmente consigam, mesmo tendo cometido inúmeras outras infrações e crimes no caminho, expor o verdadeiro malfeitor.

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“Ah, mas esse é um filme baseado em um jogo”. Não é. A franquia Need for Speed foi usada apenas como referência, já que a história é totalmente original (e repleta de furos), o que mostra o quão pueril é o roteiro dos irmãos George e John Gatins (estreia do primeiro na função, nota-se). Mas é claro que alguma coisa salva nos longos 130 minutos de projeção. Ainda que vivendo um personagem raso e cujas decisões e atitudes soam infantis e explosivas para um sujeito tão centrado e introspectivo, Paul consegue entregar a melhor atuação de todo o longa. Além disso, todas as cenas de corrida são bem dirigidas e montadas, notadamente com o eficiente uso de câmeras subjetivas (isso, sim, extraído do game), planos aéreos e efeitos práticos (feitos, em grande parte, no próprio set em vez de adicionados por computador). A fotografia é visualmente impactante e as sequências de ação são capazes de deixar fãs da franquia com um sorriso no rosto após verem tantos carros caros sendo destruídos como nos takedowns do game.

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Mas o que empalidece Need for Speed, ainda que cheio de momentos de tensão e (aparente) urgência, são os motivos e justificativas artificiais por trás de qualquer cena de ação, perseguição ou confronto. A lógica da narrativa é tortuosa durante boa parte da projeção, ora mostrando o veículo de Marshall sendo abastecido por sua equipe a 100 por hora (já que não dá tempo de parar em um posto) para, logo em seguida, mostrar o próprio mocinho e sua companheira parando em um posto para abastecer e perdendo muito tempo com trivialidades como (juro!) passar perfume. Isso sem falar nas várias vezes em que Marhsall é salvo pelo companheiro de equipe Maverick (um piloto ex-militar que sempre descola uma aeronave para conveniente auxiliá-lo nos momentos críticos) ou quando, no início do longa, Marshall é interrogado pela polícia sobre a corrida que matou seu amigo e os investigadores rapidamente chegam à conclusão que o terceiro envolvido não poderia estar no local apenas porque tinha um álibi (embora dezenas – ou centenas – de testemunhas facilmente poderiam comprovar o contrário).

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Triste também ver um ator do calibre de Michael Keaton (que está ótimo em RoboCop) fazendo uma participação que o limita a literalmente ficar sentado em uma cadeira explicando cada ponto da trama para o espectador. Outra coisa que nunca é estabelecida é o “sistema de transmissão” do tal Monarch: um aplicativo utilizado para comunicação que qualquer oficina ou piloto possui. E é curioso que sistema jamais seja monitorado pela polícia, embora disponível até no iPad que o personagem de Kid Cudi utiliza de dentro da cela militar onde está detido. Aliás, uma corrida cujo prêmio são os carros dos perdedores que invariavelmente sofrem perda total em sua maioria até que o vencedor cruze a linha de chegada. Considerando que um sujeito envolvido em lesões corporais, danos materiais na casa dos milhões e, possivelmente, homicídio culposo de dezenas policiais vai preso por apenas 178 dias na acusação de corredor clandestino, até mesmo o jogo de vídeo-game se mostra mais coerente e realista. Need for Speed jamais consegue acertar o tom entre o drama piegas, lições de moral baratas e tentativas constrangedoras de fazer humor. É realmente uma pena ver o talento de Aaron Paul despejado e desperdiçado em um projeto como esse.

2star

Need for Speed estreia dia 13 de março, quinta-feira, o novo dia de estreias na cine-semana brasileira.

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