sexta-feira, março 29 2024

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Love, nova série da Netflix, é uma comédia agridoce. Um daqueles exemplos onde o humor é parte integrante e orgânica da narrativa, mas não é necessariamente o centro dela – Master of None também trilha esse caminho -, e o que interessa mesmo é a loira bonita e seu interesse romântico, o nerd cuja compleição física mais robusta é o nariz, e como ambos reagem aos pequenos (e nem tão pequenos) acontecimentos que pipocam vida afora. Assim, o que Love faz é guiar o espectador pelos encontros e desencontros deles, acreditando que a vulnerabilidade da labuta diária é o suficiente para criar uma identificação entre público e personagens (e é).

A série acompanha Mickey, uma produtora de rádio que possui problemas com álcool, com intimidade, com ex-namorados e, abre aspas, uma personalidade forte, fecha aspas, e Gus, que é tipo um apanhado de tudo que os geeks de internet são (ou dizem que são). Ambos se encontram em posições amorosas desfavoráveis na vida – Gus teve o suprimento de amor cortado porque “é muito bonzinho” e Mickey recém saiu de uma relação com um marmanjo drogado como se estivesse cortando um tomate – e se encontram por acaso, dando início ao longo e frequentemente desconfortável processo de (tentativa de) acasalamento.

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Criada e produzida (e escrita) por Judd Apatow, de Girls, Love traz algumas características presentes na filmografia do diretor (sendo maconha a mais frequente delas, provavelmente). Embora se passe em um universo claramente absurdo, é uma abordagem contida: a relação entre os protagonistas é desenvolvida aos poucos, com calma, (praticamente) sem recorrer a clichês do gênero. Há tempo de sobra investido nas situações que vão determinar as personalidades deles – e é só ver a forma como os namoros terminam para perceber as diferenças entre ambos -, o que aproxima o espectador das personagens e faz com que se importe com os pombinhos (a vulnerabilidade de Gus, por exemplo, fica visível desde o início, mas é equilibrada com as noites de música; já a de Mickey vai surgindo mais do mecanismo de defesa dela, da forma com que tenta se manter intocável. As lições de moral são uma prova do ego borbulhando na superfície). Mesmo os coadjuvantes possuem o papel de delinear as características deles, como mostram as diversas incursões à decepção envolvendo a (genuinamente divertida e gostável) Bertie.

E isso continua até o final da temporada. Não há um momento onde a série se dê por satisfeita e passe a investir em situações divertidas. Gus e Mickey continuam sendo desnudados diante do espectador, criando uma intimidade que não é comum de se ver por aí, e aos poucos vamos descobrindo não só o que os atrai, mas também o que dificulta a aproximação – e, nesse caso, Love puxa mais para o lado do estudo de personagem, já que diversas cenas que normalmente resultariam em brigas ou grandes dramas acabam servindo apenas para moldar a personalidade do casal (uma viagem de trem, por exemplo, ou um encontro). A coisa evolui, pacientemente empilhando os motivos para que necessidades mudem e posições nesse grande jogo de xadrez que é o romance também mudem. Não há conflitos ou soluções fáceis aqui. Love não busca aquele “eu queria ter sua vida” como outras séries o fazem, e sim um reflexo da vida real para que as pessoas se identifiquem e se envolvam com o que está acontecendo.

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Esse tipo de sutileza é difícil de alcançar. A influência que um tem sobre o outro também surge sem exageros, o que torna a amizade mais palpável (tipo, Mickey vai conhecendo um pouco mais a si mesma, enquanto Gus vagarosamente ganha uma certa confiança). A ideia de buscar um cenário mais crível, ao invés da idealização romântica, realiza com sucesso o objetivo de fazer com que o público torça por aquelas personagens, goste delas, se sinta bem quando coisas boas acontecem e mal quando coisas ruins acontecem – e Love não alivia, jogando seus protagonistas em uma espiral de derrotas psicológicas (principalmente Mickey) para que faça sentido quando eles explodirem ou se ficarem sobrecarregados (e o espectador junto). E poucas coisas são melhores do que assistir a uma obra sentindo o andamento da história junto com quem está dentro da tela.

Tropeçando eventualmente em alguns problemas de ritmo (principalmente no sétimo episódio e em determinadas situações que parecem estranhas apenas para parecerem estranhas), além de tornar Gus uma personagem tão esquisita que até destoa um pouco daquele universo – embora os melhores diálogos sejam dele -, Love não chega a atingir todo seu potencial e nem chegar ao nível de sua compatriota Master of None. Mas mantém um arranjo cativante suficiente (e também engraçado, afinal, é uma comédia) para carregar a história até o final sem dificuldades, mostrando-se interessante ao se manter fiel às personagens que acompanha. Uma bela série sobre amor e pisar na bola (se é que dá para ter um sem o outro).

4stars

1 comment

  1. Bom texto, confesso que o primeiro episódio não superou minhas expectativas sobre Love, achei que poderia ter visto algo melhor, ainda não decidi se continuarei assistindo, Love, mas talvez pela curiosidade eu termine a temporada.

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