quinta-feira, abril 18 2024

The Walking Dead já foi uma das minhas séries favoritas. Mesmo na época em que ela (já) era criticada pelo marasmo na trama sempre intercalada por momentos isolados de tensão e choque (geralmente ligados à mortes de personagens), existiam aqui e ali alguns bons elementos que davam peso àquela história fazendo com que pudéssemos pensar sobre como reagiríamos e nos comportaríamos num cenário extremo como aquele. Nesse contexto, era sempre interessante ver na série personagens como Dale, por exemplo, que funcionando como uma espécie de compasso moral para o grupo de Rick e cia lá atrás, jamais se permitira ser tragado pelos horrores que o cercavam. “… o mundo foi à merda, mas não deixei que me levasse junto…”, dizia ele ainda na segunda temporada quando preferia abraçar a humanidade num momento em que a maioria já se rendera à selvageria. Mas aí veio a trama da Prisão com o Governador, depois brevemente a do Santuário até chegar, enfim, à que a série narra atualmente envolvendo, dentre outros grupos, os Salvadores liderados por Negan…

E se é verdade que fórmula que a (ainda popular) série explora continua mais viva do que nunca com alguns momentos genuinamente impactantes seguidos por tantos outros de puro tédio, também é igualmente verdade que o texto por trás de The Walking Dead e as ideias perigosas que ela – conscientemente ou não -, acaba despertando e de certa forma até defendendo, infelizmente mudaram para pior. Sob essa perspectiva, o texto que Sean T. Collins publicou na Vulture pouco depois do mid-season finale do sétimo ano propõe uma discussão bem interessante sobre a natureza da série ao apontar que em muitos níveis a produção do AMC parece ter se tornado uma propaganda fascista disfarçada de entretenimento escapista. Exagero do autor ou uma bem-vinda reflexão em tempos de Trump eleito e de uma escalada da violência mundo afora?

Collins aponta que a base de sustentação de The Walking Dead (e por tabela de seu spinoff, Fear the Walking Dead) sempre foi ligada à ideia de que num ambiente de extremo conflito, a preservação da “nossa gente” sempre foi a única coisa que interessava e que portanto a destruição de tudo (vivo ou morto) que pudesse ser visto como ameaça, justificava todo e qualquer meio brutal usado para garantir essa preservação. Com isso em mente, confiar em outras pessoas e tratá-las com compaixão é, segundo a série, uma fraqueza, uma estupidez que leva à autodestruição. E num mundo em que o único guia moral é a sobrevivência, a série estabelece apenas duas alternativas para Rick e cia: matar ou ser morto; massacrar ou ser massacrado. Ou para lembrar uma das bandeiras que o Trump usou durante sua campanha… Demonstre força ou seja esmagado.

Sim, é certo que The Walking Dead não é a única produção mainstream da TV que já fez uso desse artifício. Em maior ou menor escala, como lembra Sean Collins em seu artigo, outras séries (como Sopranos e Game of Thrones) tão populares quanto dessa chamada era de ouro da televisão já fizeram ou ainda fazem uso de narrativas caracterizadas por conflitos violentos. Contudo, o que separa a série do canal AMC das demais colocando-a no alto da lista dos meios de propaganda do que muitos chamam de neofascismo, pode ser resumido, segundo o professor Stephen Olbrys Gencarella da Universidade de Massachusetts em Amherst, numa única palavra: dominação. Sob esse aspecto, o professor argumenta que enquanto outras séries demonstram as consequências do uso da violência (tanto do ponto de vista de quem comete quanto de quem sofre) ou pelo menos debatem a complexidade de se conviver com o que é diferente, The Walking Dead, por outro lado, é a única série da atualidade que glorifica, em vez de criticar, a ética fascista sugerindo que ela é a única solução viável para sobreviver num mundo cercado de ameaças e do que é diferente.

Na mentalidade fascista, lembra ainda o professor Gencarella, a bondade e a empatia são vistas como fraquezas; a reflexão autocrítica um perigo para a segurança e negociar uma falha grave. Essa mentalidade, destaca ele, vem da Doutrina do Fascismo, livro escrito por Giovanni Gentile com Benito Mussolini. “A Doutrina defende de forma clara que o estado de guerra perpétua é o modo ideal de co-existir com quem é diferente e também a melhor forma de esmagar o fraco para deixar claro quem é o forte”, destaca o professor que vai além nesse conceito: “fascistas querem o apocalipse e não foi à toa que alguém como Trump, que pintava o imigrante como uma ameaça durante sua campanha, ganhou tantos votos, já que muita gente realmente parece associar a imigração ao apocalipse que só pode ser combatido com a violência.

Sean Collins lembra que o próprio desenvolvimento dos personagens centrais de The Walking Dead parece ter tomado um rumo totalmente diferente daquele visto nos primeiros anos da série. Se lá na primeira temporada Rick dava um discurso apaixonado sobre como a ameaça dos zumbis acabou forçando que tensões raciais fossem diminuídas (“Nós sobrevivemos a isso juntos, não separados”, dizia ele), esse aspecto acabou perdido nas temporadas que se seguiram à medida em que Rick e os demais se rendiam aos mesmos artifícios usados por aqueles que os antagonizavam. E pior que isso, a série parece fazer questão de mostrar que todo personagem que reluta em abraçar a imposição da força como ferramenta de sobrevivência, acaba morto de forma violenta quase como punição (lembram do que aconteceu com Dale, Hershel, Tyreese e outros?).

Indo além, Collins diz que os que defendem a posição da série dizendo que a selvageria daquele mundo exige esse tipo de atitude não tem razão, visto que outras obras com pano de fundo apocalíptico não necessariamente apontam essa bandeira como a única possível. E mais: ele lembra que o próprio gênero zumbi, quando surgiu, funcionava muito mais como alegoria contra o racismo e uma crítica ao consumo desenfreado (além de despertar a ideia de que união entre grupos distintos era uma necessidade e não uma escolha) do que como obra de horror. Nisso, o mundo pós 11 de setembro, diz ele, viu muitas obras demonizando muçulmanos e fortalecendo o conceito do “nós contra eles” que é justamente o que The Walking Dead e seu spinoff, Fear the Walking Dead tem feito: a primeira adotou uma estrutura de guerra total entre os mini estados existentes enquanto a segunda, de forma nada sutil, sugere que os mexicanos são a grande ameaça para o grupo de protagonistas.

Contudo, a morte de Glenn na abertura da sétima temporada, como destaca o autor em sua conclusão, parece ter tirado a cortina que cobria a série, já que o sadismo exagerado que marcou a saída do personagem (um dos poucos não brancos de todo o elenco) acabou servindo não só para afastar muitos espectadores (não à toa, a audiência de The Walking Dead caiu consideravelmente nessa temporada), mas também para acabar com a ideia de que a série abraça o multiculturalismo além de reforçar uma outra mais preocupante: a aparente defesa de que o uso da força extrema, num mundo tão cheio de diferenças, é a única alternativa viável para estabelecer dominação.

48 comments

  1. Isso não passa de uma série de TV, não da pra levar tão a sério assim. Parem de procurar chifre em cabeça de cavalo!

  2. Concordo, perdi toda a vontade que eu tinha de ver a série. Vou abandonar no final dessa temporada medonha.

  3. Parabéns pela reflexão.
    Pode existir o engano, podem estar vendo pelo em ovo, mas não podemos considerar que programas de TV são apenas programas de TV. Seriados e afins refletem a sociedade e o momento vivido durante a produção.
    Essa questão precisa ser levantada e fingir que o preconceito não existe piora.
    Foi preciso coragem para escrever.
    Parabéns.

  4. eu me considero uma pessoa de esquerda, e acho esse comentário exagerado…a verdade é que em situações limite (como um apocalipse zumbi!) ninguém pode garantir que continuará a agir de modo digno e racional, e o mais provável é que a barbárie prevaleça mesmo

    ps. mesmo hoje é comum essa atitude de ver em qualquer estranho um possivel inimigo, e com boas razões…exemplo real: o que acontece quando uma mulher esát com problemas no caixa automático, e um estranho muito simpático a ajuda ? grandes chances de ter seu cartão trocado, e sua conta limpa 15 minutos depois, inclusive com empréstimo online feito em sua conta

  5. Cara não faz sentido a informação de sua posição política. Também me considero de esquerda, mas fica parecendo pior. Como se essas questões fossem apenas consideradas em pessoas de direita. Não ajuda o diálogo que o artigo quer implantar, entende?
    Claro que é de se esperar situações limite considerando o universo da série, mas o que o Davi e os estudos apresentados na matéria querem dizer é como isso nos é mostrado e como Walking Dead mostra de uma forma diferente de outros produtos feitos com princípios semelhantes.
    Muitos aí estão achando viagem, pessoalmente faz sentido.

  6. Eu também ainda não estou acreditando nisso que eu acabei de ler…

  7. Foda-se o multiculturalismo ou a representatividade, o que importa é o quanto a série/filme/novela cativa o espectador! ‘Demonizando muçulmanos’? Os muçulmanos não precisam que alguém faça esse trabalho, ou você não leu o jornal nos últimos dias?

  8. Eu poderia apostar que você é daqueles que chama qualquer de fascista, pelo simples fato de discordarem de você, adjetivando até mesmo um liberal dessa forma!

  9. Como é possível alguém levar essa besteira a sério? Que ridículo! kkkkk

  10. Pessoal inventa demonios demais, ainda por cima em uma serie tôsca como The Walking Dead… (a que apenas repete a mesma historia a cada nova temporada, desde a primeira).

  11. Nunca é “só uma série”. Arte também passa mensagens. Aliás, é um dos principais objetivos da arte, desconstruir e reconstruir. É muito preocupante que as pessoas não enxerguem essas “sutilezas” no que elas consomem. Eu nunca tinha parado pra refletir sobre isso, é uma discussão muito pertinente. Ainda se TWD tivesse esse viés fascista, mas pelo menos fosse boa… Mas nem isso ultimamente.

  12. Davi continua muito esquerdista e vem com este papo de neofacismo e etc. Alias o dizer que o Trump fazia era o mesmo que em 96 Bill Clinton fazia e era ovacionado! Acompanhar as eleiçōes americanas pela Globonews gera artigos como este!!

  13. Propaganda nazista ? Até hoje eu só vi ”Critica social foda” nessa série

  14. Amiga, é sem só uma série! Se alguém busca algo para a sua vida em uma série de TV sobre apocalipse zumbi esse alguém precisa de tratamento.

  15. Eles esquecem que o Bill Clinton levantou um muro na fronteira…

  16. Muito ingenuo achar que “é só uma série” não evoluímos tanto assim meu caro. O debate é pertinente e vale a pena sim a reflexao..

  17. E eu sinto muito que você tenha uma visão tão rasa sobre o que você mesmo acompanha.

  18. “Hoje, ao meio dia, teremos uma reunião para fazermos uma reflexão sobre a série “Sobrenatural” e o impacto dela em nossas vidas.”

    AHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAH

  19. kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk foi uma das coisas mais ridículas que eu já li.

  20. Não tinha parado para pensar nisso, mas achei válido o artigo. Temos que ir além da aparência.

  21. Tv e a arma usada em grande escala
    O que dizer Sense8!!!!
    Seja qual for o motivo
    No final e vc que decide
    O que fazer com a informação

  22. Oh god. Não acredito no que acabei de ler.

    O malabarismo argumentativo para encaixar sua narrativa na realidade. ?

    Gostaria de ver qual seria a análise caso a Hillary tivesse ganhado.

    Parabéns, Davi Garcia. Você tem futuro como colunista do Brasil 247 e Catraca Livre.

  23. É justamente isso: Um malabarismo argumentativo para encaixar sua narrativa na realidade!

    Perfeito!

  24. Eu reli e ainda estou sem acreditar que um texto desse foi escrito e postado no Ligado em Série. Vergonha alheia pesadissima.

  25. Essas pessoas não conseguem desvencilhar suas ideologias de seus hobbies, elas não entendem que nem tudo deve seguir uma cartilha, nem tudo deve haver uma lição de moral por trás. Como o amigo disse mais abaixo: eles fazem um malabarismo argumentativo para encaixar sua narrativa na realidade! E a realidade é que o Trump venceu e a Hilary perdeu, mas eles não conseguem entender isso, e é justamente por isso que fazem um texto ridículo tentando encaixar o atual cenário político uma série sobre apocalipse zumbi! #VergonhaAlheia

  26. “A critica da próxima série será uma analise de como a mesma virou uma propaganda do Golpe Constitucional Parlamentar que ocorreu no Brasil, companheiros!”

  27. Apenas fico vendo a Ignorancia das pessoas, atacando o colunista, como se fosse ele que tivesse escrito o artigo discutido aqui. Ele apenas deu sua opiniao, sobre um artigo escrito por outra pessoa. Ele apenas apresentou a visao dele, (que a alias, qualquer um pode fazer o mesmo) .Mas nao adianta apenas ler. Tem que absorver e interpretar o que esta lendo. De qualquer forma, mesmo que o artigo discutido fosse de autoria dele, nao justifica, a falta de educaçao, e o deboche, nos comentarios de certas pessoas nessa pagina do tipo ” Vergonha alheia, que lixo, ridiculo, vc tem futuro no Brasil 247″. A falta de respeito e bom senso na Internet, infelizmente esta predominando. Acho qualquer descordancia, e opiniao muito validas, mas desde que todas sejam feitas num nivel respeitoso. E ainda perguntam porque gosto mais de animais, do que seres humanos !

  28. Concordo em genero, número e grau, no começo da serie o grupo do Rick se sobresaia justamente pela humanidade, se diferenciando de toda a barbárie humana que existia quando outras pessoas apareciam, depois ele ficou cada vez mais parecido com a ameaça que estava sempre cercando eles, “isso não é mais uma democracia” e o roteiro passou sempre a exaltar isso, transformando ou matando quem ia contra ele vilão. A série poderia render discussões ótimas sobre isso, mas caiu no puro ‘mate ou morra”.

  29. verdade, séries de tv não existem no vácuo. o problema é que a premissa da perda da moralidade para proteger os seus dos outros se perde nesses roteiros fracos de TWD. tudo fica superficial, inclusive a violencia. eles nao conseguem passar para o publico todo o drama que poderiam relacionado a esse assunto. acaba que as coisas que acontecem nem sempre parece ser por um motivo mais profundo do que o “era bonzinho e morreu por isso”

  30. Uma série que eu gostava muito, mas parei de assistir quando está lógica apontada no artigo acima começou a prevalecer: ” aparente defesa de que o uso da força extrema, num mundo tão cheio de diferenças, é a única alternativa viável para estabelecer dominação.” . Rick se transformou para pior, salvando quando eu acompanhava o Dale entre os personagens mais carismáticos! A Fox uma emissora altamente conservadora e reacionária é promotora da série, por ai também pode passar este viés Fascista apontado pelo professor Gencarella! Gostei do artigo do Davi Garcia! E para os que acham que há um exagero por parte de tais observações, sim devemos refletir mesmo se há ou não exageros nos apontamentos sobre a série; sugiro que pensem a seguinte questão: vivemos numa sociedade de massa, uma sociedade massificada e manipulável o que impede que tais ideias não sirvam de reforço para justificar preconceitos, intolerâncias e tendências perigosas contra os diferentes?! Uma série que atinge 17 milhões de espectadores é uma série altamente ´de grande massas! Aqui algumas dicas sobre nossas sociedades de massas, assistam ao brilhante documentário, com 4 partes, ” O Século do Eu” de Adam Curtis para ver como funcionamos, ou então o também muito bom ” O Poder do Pesadelo” em 3 partes do mesmo Adam Curtis. De pensadores se duvida nenhuma obras de Herbert Marcuse, Adorno e Horkheime da conhecida escola de filosofia alemã Escola de Frankfurt!

  31. Com certeza nao, mas deveria ser blindada da falta de educaçao alheia. Discutir e argumentar contra sim ! Mas faltar com respeito nao !

  32. E quem esta dando a Opiniao ? Uma pessoa ? Apenas pra eu entender, porque vai que eu estou falando nesse momento com um outro tipo de coisa que eu nao conheço.

  33. TWD não mostra as consequências da violência? E a Carol, o Morgan, a Rosita, a Sasha, o Carl, o Tyreese? Todos eles mudaram de personalidade, por vezes pra pior, como consequência do que sofreram e acabaram causando coisas piores com isso, incluindo a morte de terceiros. A questão em TWD é (como foi também em Lost) que a violência é horrível, mas numa situação extrema o pior de todo mundo vem à tona. Torcemos pelo grupo do Rick, mas sem esquecer que eles “matam pra não morrer” porque precisam, e nada disso é o ideal porque aquele mundo não é o ideal (e por isso gente como o Dale, incapaz de entender esse ponto básico, não dura muito).

    Virou modinha criticar TWD com absolutamente tudo. Aí aparecem uns textos péssimos como esse.

  34. Se sobressaiu tanto que um monte de gente morreu nas mãos de gente ruim…

  35. A critica é valida, para quem deseja entretenimento para o qual a série se se propõe, seguindo-se a estoria o que se esperava era rever a luta de um grupo de ‘humanos’ tentando pela união sobreviver ao caos apocaliptico, mas zumbis viraram objeto secundário, o grupo sob uma camisa de força e força esta repudiada pela humanidade, sim o facismo é visto em toda temporada e só quem é alheio a isso e apenas arrota frente a tv é que não o observa. O que se critica é a escolha do personagem vilão que não é Negan mas sim um tipo de governo tentando se implantar para controlar a realidade pós apocaliptica isso foi erro grosseiro, mas quem não concorda que continue arrotando ignorância no sofá….

  36. Discordo apenas na comparação a Trump, mas a série sim teve conotação facista.

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