quarta-feira, abril 17 2024
Foto: Divulgação/Showtime

[contém spoilers dos episódios 3×01 e 3×02] Recentemente escrevi por aqui que o retorno de Twin Peaks era algo muito aguardado por mim, assim como por milhares de fãs. Era bastante difícil imaginar como seria esse revival tanto tempo depois, ainda mais com todo o segredo envolvido e nem sequer uma sinopse (a única coisa que sabíamos era que se passava 25 anos depois, como antecipado pela própria Laura Palmer no finale da segunda temporada). Uma expectativa deste tamanho, alimentada por mais de 20 anos, também fez com que o medo da frustração com o retorno da série fosse igualmente grande. Mas agora que já iniciamos a nova temporada, finalmente podemos começar a respirar aliviados.

A estreia aconteceu no domingo e veio com um episódio duplo, que começa com uma breve recapitulação: Cooper está novamente no Black Lodge (também conhecido como a sala vermelha) na companhia de Laura Palmer, que profetiza o encontro deles no futuro. Após, algumas cenas na escola servem para relembrar a tragédia que deu início ao enredo original, terminando na icônica foto de Laura coroada como a rainha do baile de formatura. É assim que é feita a transição para a abertura da série, agora atualizada: a trilha clássica de Angelo Badalamenti segue presente, mas não temos mais as cenas na serraria e nem o clássico passarinho que tanto marcou a abertura antiga. Agora quem ganhou destaque foi o próprio Black Lodge, onde, de certa forma, tudo terminou.

https://youtu.be/ujDB5ao1JCg

Após a abertura, voltamos ao Black Lodge e Cooper está conversando com ninguém menos que o gigante da série original, que aparece dando mais recados enigmáticos e honrando o cânone da série. É uma boa forma de começar um revival, remetendo ao passado e criando uma certa tensão em relação ao futuro.

Além de Cooper, aos poucos vamos revendo alguns personagens clássicos de Twin Peaks (primeiro, Dr. Jacoby, em uma cena aparentemente trivial). Esse é o primeiro grande momento nostálgico do revival: reencontrar os personagens da série é como reencontrar amigos queridos anos depois. Aqui eu abro um parênteses para comentar que é um pouco estranho para quem passou anos vendo e revendo a série em VHS ou DVDs (com aquela qualidade das filmagens dos anos 90) enxergar um Black Lodge ou o The Great Northern Hotel em alta definição. É tudo tão nítido que parece falso, e o CGI em algumas cenas não diminui esse choque inicial de quem estava acostumado com a baixa definição, o analógico e aquela espécie de “sujeira”, mas aos poucos o nosso olhar vai se acostumando.

Foto: Divulgação/Showtime

Fora tudo aquilo que já é familiar para os fãs da série, alguns novos elementos vão sendo apresentados e, aos poucos, vamos tendo uma ideia da sua relação (e do rumo que a série pode tomar): em Nova York, vemos um homem cujo trabalho é observar atentamente uma caixa de vidro; em Buckhorne, Dakota do Sul, acontece um crime brutal; e, em Twin Peaks, Margaret entra em contato com Hawk, agora subdelegado, para transmitir uma mensagem de seu sábio tronco sobre o desaparecimento de Cooper.

No centro de todos esses novos elementos está a réplica (ou doppelgänger) de Cooper, confirmando uma das principais teorias sobre o finale da série: foi ele quem saiu do Black Lodge, e o verdadeiro Cooper acabou ficando preso lá. Este “Cooper do mal” está envolvido em assassinatos, associações com criminosos e outros planos que ainda não compreendemos totalmente, mas que certamente envolvem uma forma de evitar o retorno para sua dimensão de origem.

Se tem uma coisa em que David Lynch é ótimo é em criar suspense ou estranhamento através dos silêncios ou de mínimos efeitos sonoros. Ele não tem medo de desenvolver longas sequências em que aparentemente nada está acontecendo, e também sabe como ninguém criar cenas perturbadoras, dignas de pesadelos, mas que exercem uma estranha atração sobre a gente. O primeiro momento UAU do revival foi quando finalmente aparece algo dentro da caixa de vidro, uma entidade que acaba interferindo violentamente na realidade atual. O segundo momento é durante a cena em que é revelado o corpo encontrado em Dakota do Sul (os corpos, para ser mais exata).

Se a estreia foi eficiente em criar suspense e tensão, deixou um pouco a desejar na parte pitoresca e leve que Twin Peaks sempre apresentou. Esses momentos foram poucos, basicamente com os irmãos Horne e com o exótico casal formado por Andy e Lucy (ela ainda teve uma ótima cena com um vendedor de seguros, com o tipo de diálogo que Twin Peaks sempre foi mestre em apresentar). É uma pena, pois Lynch sabe muito bem ocupar o tempo de tela com diálogos e situações triviais, momentos a que outros diretores mais “apressados” dificilmente dão atenção (um exemplo é a longa busca dos policiais pela chave do apartamento de Ruth Davenport, que envolve uma vizinha com memória debilitada e um paranóico “homem da manutenção” que trabalha no prédio).

O assassinato em Dakota do Sul já deixa um belo gancho para atrair fãs antigos e novos espectadores: Bill Hastings, diretor de uma escola e prestigiado residente, tem suas digitais encontradas na cena do crime, mas afirma que nunca esteve lá, exceto em sonho (e os sonhos são muito importantes na mitologia de Twin Peaks). Neste momento, Lynch fez uma referência bastante direta a sua própria obra, pois o primeiro episódio acaba com um pedaço de carne humana sendo encontrado no porta-malas do carro de Hastings, lembrando muito a icônica orelha do filme Veludo Azul.

Foto: Divulgação/Showtime

Já no segundo episódio, alguns truques ressurgem: vemos que a mulher de Hastings não é bem o que parece (uma tradição na série), Cooper reencontra Gerard e Laura no Black Lodge (e ela, além de repetir que às vezes seus “braços se dobram para trás”, reencena novamente um beijo entre eles e cochicha no ouvido de Cooper) e até o cavalo branco reaparece. Mas nem esses momentos familiares tiram o brilho de uma cena tão deliciosamente chocante quanto aquela com a evolução do braço de Gerard – uma árvore com uma espécie de cabeça disforme, que faz outra referência à obra de Lynch, Eraserhead. O “braço” tem um recado importante para Cooper: a sua réplica deve voltar ao Black Lodge antes que Cooper possa sair.

Outra cena que funciona quase como um espelho, refletindo novamente o final da segunda temporada, é quando Cooper procura a saída do Black Lodge, passando de sala em sala, de cortina vermelha por cortina vermelha, até cruzar com Leland Palmer, que pede a ele que encontre Laura. Por fim, em uma das melhores e mais doidas sequências até agora, um flutuante Cooper vai parar dentro da caixa de vidro que estava sendo observada. E é assim que começamos a amarrar as pontas de tantos elementos que pareciam desconectados, ligando passado e futuro. Aliás, como o próprio Gerard questionou, da forma mais metalinguística possível: “isto é passado ou é futuro?”. A única coisa que sabemos é que Twin Peaks está de volta, e mais promissora do que nunca.

PS: Ao final do segundo episódio, temos uma cena no famoso bar Roadhouse, que nos faz matar a saudade de outros personagens do passado. Porém, agora não é Julee Cruise que está no palmo, e sim a banda Chromatics. Uma atualização que funcionou muito bem, diga-se de passagem, pois a música tem todo o clima antigo da série, mas com um som atual. E como nada é por acaso, a letra fala sobre sombras e sonhos, algo mais do que apropriado para Twin Peaks.

12 comments

  1. Não assisti as primeiras temporadas! Irei entender a nova temporada?

  2. Oi, Diogo. Infelizmente não, as temporadas estão bem relacionadas. :-(

  3. Além das temporadas anteriores, também é importante assistir ao filme Twin Peaks: Fire Walk With Me. Essa nova temporada está trazendo MUITOS elementos do filme!

  4. Comecei a assistir mas vou ter que rever as temporadas anteriores. Não me lembro de muitas coisas.

  5. Além de precisar assistir a série original vai precisar também assistir o filme Fire Walk With Me. Muita coisa mencionada na nova temporada aparece no filme e o próprio David Lynch disse que ele é essencial.

  6. Uma porcaria. Não há um fio de história que desperte qualquer interesse.
    Os personagens antigos são simplesmente “cuspidos” na narrativa, somente pelo recurso fácil da nostalgia.
    David Lynch preguiçoso, auto referente, datado.
    Maior decepção do ano até agora.

  7. A estória original – o assassinato propriamente dito de Laura Palmer, 15 primeiros capítulos – misturou novelão bem humorado, drama policial, atores carismáticos, trilha sonora antológica e misticismo… com inteligência, acabou criando uma obra-prima da televisão. A ideia de misturar dramas sociais corriqueiros aos norte-americanos – prostituição e drogas – a lendas indígenas e paranormalidade deu muito certo, feito em doses certas (planejado ou não, é o que penso que deu certo).
    A pré-sequência “Fire, Walk With Me” também continha muita “loucura”, mas a narrativa se mantinha firme e gostei muito do filme.
    Agora, se aprofunda o que já se ensaiava na continuidade da 2ª temporada: uma narrativa tão autoral que soa cansativa e pode se perder (ao contrário da pré-sequência “Fire…”, como já disse).
    O ensaio para o cansaço desta temporada está dado… mas ok, continuo fã e verei até o fim.

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