quinta-feira, março 28 2024

[Esta crítica contém spoilers] É notável que um filme como mãe! (mother!, 2017), novo filme de Darren Aronofsky (NoéCisne Negro) seja distribuído por um estúdio tão grande como a Paramount, o que denota a confiança na maturidade do público cinematográfico com obras mais densas e subjetivas.

mãe!, em sua essência, não tem uma classificação direta. O longa tem traços de suspense, terror, comédia divina e um drama carregadíssimo de elementos poéticos e representações alegóricas. Ele tem início com um plano mostrando uma mulher em chamas e que imediatamente indica para o espectador mais atento que ele não está assistindo a algo linear ou literal.

Assim, se logo de início o filme tem contornos de uma história simples – um homem (o Poeta) e uma mulher (a Mãe) reclusos em uma casa vitoriana no meio do nada enquanto Ele planeja sua próxima obra e Ela cuida da reforma do imóvel – logo ganha contornos que permitem uma interpretação mais ampla de sua narrativa, em especial a nada discretos easter eggs que intercalam durante seus três atos.

Antes de aprofundar na mitologia de mãe! em si, cabe apontar o apuro técnico de Aronofsky na condução das cenas: planos fechados, penumbras que mostram mais do que escondem, câmera controlada e sequências que lentamente conduzem o espectador da calmaria ao caos. Assim, este já pode ser considerado o trabalho mais meticuloso e autoral do veterano diretor.

Fazendo a função do espectador numa história aparentemente sem pé nem cabeça, Jennifer Lawrence domina cada frame do filme ao demonstrar sua constante inquietação com os fatos que ela e nós vivenciamos, desde o momento em que o Homem (Ed Harris) e a Mulher (Michelle Pfeifer) aparecem do nada na reclusa cabana. Enquanto isso, o Poeta de Javier Bardem flutua como uma figura mundana, mas que, aqui e ali, exibe traços de uma grandiosidade que é inerente ao seu personagem (ou, especificamente, o que ele representa).

Não há como seguir comentando o longa sem explicitar o verdadeiro teor de sua narrativa, então se mesmo assim você ignorou o aviso de spoiler e não deseja saber mais detalhes, pare aqui e volte depois. Fato é que, mesmo aberto a inúmeras interpretações, mãe! essencialmente é um filme que conta a história da Bíblia, de Gênesis ao Apocalipse.

Para os atentos, os elementos estão todos lá: desde o nascimento (“Baby” é a primeira linha de diálogo do filme), até o fim de Tudo como conhecemos. Assim, não há como negar que o Poeta é Deus em suas tentativas de criar o mundo e a Mãe é algo sagrado como a mãe natureza, ou a “inspiração” da criação maior e imperfeita que é o nosso universo. De Judas ao fruto proibido, tudo é direta ou indiretamente retratado naquela Casa.

Mas este não é um filme religioso, pelo contrário. É uma adaptação cínica da obra mais vendida do mundo e uma crítica ferrenha à adoração, à necessidade do ser-humano em buscar uma salvação e como a bestialidade de nossa espécie é a característica mais preponderante de nós, o bicho-Homem.

Assim, mãe! é um filme terrivelmente perturbador para quem caiu de pára-quedas na sala de cinema (ou, futuramente, no aluguel digital), mas deliciosamente inquietante pra quem conseguir, o quanto antes, captar a mensagem de seu talentoso realizador.

Provocativo, cuidadoso com cada cena e incrivelmente profundo, mãe! é uma experiência cinematográfica inigualável e um exercício técnico e poético digno de nota. Independente de sua interpretação ao fim dos créditos, uma coisa é certa: Darren Aronofsky vai impactá-lo de alguma forma quando os créditos subirem.

Que bela obra em todos os seus sentidos.


mãe! chega aos cinemas brasileiros no dia 21 de setembro.

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