sexta-feira, março 15 2024

[contém spoilers] Eu gostei de parte da 1ª temporada de 13 Reasons Why, que levantou questões sobre bullying e depressão na adolescência, tinha uma estrutura narrativa interessante e boas atuações de um elenco jovem (com destaque para Dylan Minnette, Christian Navarro e Katherine Langford). Isso, inclusive, foi algo que ressaltei à dupla de protagonistas após assistir os cinco primeiros capítulos que a Netflix havia mandado à época. Porém, quando a série decidiu mostrar de forma gráfica o estupro e o posterior suicídio de Hannah em seus episódios finais, senti que faltou cuidado na forma que os incidentes foram retratados, o que levou a atração a ser alvo de pesadas críticas.

Tal movimento foi reconhecido pela Netflix, que reforçou os avisos de gatilho e disponibilizou informações e recursos para pessoas em depressão e/ou vítimas de abuso na plataforma e fora dela, chegando a incluir um vídeo com os atores desaconselhando a série para certos públicos (exibido antes dos episódios 1×01 e 2×02 e também no site http://13reasonswhy.info). A 1ª temporada então fechou a história do livro de Jay Asher, mas deixou certas pontas “soltas” que viriam a ser o mote de uma possível 2ª temporada.

Ambientados cerca de cinco meses após a tragédia na escola Liberty High, os novos episódios de 13 Reasons Why pretendem abordar, de certa forma, as ramificações do incidente e a culpabilização dos responsáveis pela dor e morte de Hannah. Digo “de certa” forma, pois ao longo da temporada a série é dispersa em sua narrativa e confusa acerca dos seus objetivos, como abordarei adiante. A grande questão que fica é: era essa uma história que precisava continuar a ser contada? Depois de assistido aos 13 capítulos que estrearão nesta sexta, 18 de maio na Netflix, posso dizer que a resposta é “não“, principalmente “não da forma com que foi“.

Com mote na ação civil que os pais de Hannah Baker moveram contra a escola por negligência, a temporada se desenvolve através dos relatos de 12 “testemunhas” dos acontecimentos que levaram a jovem a tirar sua própria vida (e muitos outros que não guardam a menor relação com o ocorrido), trazendo novos pontos de vista de fatos já abordados, versões conflitantes e até mesmo novas informações. Infelizmente, a maior parte disso é pura e desnecessária encheção de linguiça dos realizadores para esticar ao máximo a trama em 13 horas de televisão.

Katherine Langford retorna como Hannah de duas formas: a primeira em flashbacks com base nos ditos relatos dos depoentes (alguns destes falsos), mas também na “mente” de Clay Jansen (Dylan Minette). O grande problema é que o roteiro de Brian Yorkey exagera e muito na utilização deste recurso, fazendo com que Hannah se torne uma entidade fantasmagórica e constante na série, fazendo algumas interlocuções que jamais poderiam ser vindas de Clay, como inicialmente sugerido. Com isso, Hannah ganha uma sobrevida forçada e até incômoda no contexto em que a série está inserida, já que ela é uma garota que se matou e que, portanto, sua presença deveria ser sentida (algo que também não contribuirá com a inevitável crítica à manutenção da romantização de seu suicídio).

Os extensos 13 novos capítulos ainda são preenchidos também com um “confronto velado” entre duas facções dentro do colégio Liberty High: a primeira que envia misteriosas fotos Polaroid do Clubinho dos atletas, expondo que este é um local onde eles atraem jovens garotas para serem estupradas; e a segunda que quer intimidar as testemunhas do processo dos Baker a ficarem com o bico fechado para proteger esse “segredo” que todos conhecem. Além disso, as “justificativas” que o texto usa para não identificar os verdadeiros responsáveis por estes movimentos logo de cara beira o patético, fazendo constantes malabarismos narrativos questionáveis que envolvem desde a cumplicidade do técnico do time com tais crimes, até a complacência irreal dos pais de Clay e Bryce diante de absurdos praticados pelos jovens.

Esse inchado jogo de forças permanece vigente por muito mais tempo do que o necessário apenas para que o roteiro ralo crie situações e conflitos efêmeros, muitas vezes sem a menor correlação uns com os outros, enquanto a resolução das “pendências” deixadas no fim da 1ª temporada não chegam. Aliás, 13 Reasons Why precisa urgentemente de uma consultoria jurídica, pois retrata um julgamento que atropela qualquer noção básica de devido processo legal e até mesmo coerência legal, em especial no “veredito” final, ainda mais quando o conselheiro da escola praticamente confessa sua negligência e descuido no trato com os jovens e com Hannah em particular.

Em vez de abordar suicídio e depressão nesses novos capítulos, a série opta por seguir em outros temas pesados como o fato de haver uma verdadeira gangue de abusadores e estupradores juvenis na escola que é passivamente tolerada. Apesar de retratar aqui e ali os efeitos dos crimes nas vítimas, a mensagem que a série pretende passar é difusa e acaba perdida, ainda que as intérpretes das garotas abusadas façam um excelente e convincente trabalho. Afinal, o foco constantemente muda entre a busca de justiça à Hannah, as ramificações dos crimes dos atletas, os conflitos entre os abusadores e as testemunhas, os dilemas internos de Clay e mais uma infinidade de tramas paralelas que não levam a lugar algum (como o namoro de Clay e Skye, a situação marital dos Baker, os problemas com drogas de Justin, estes últimos milagrosamente resolvidos por pura conveniência do roteiro, e muitos outros).

É então que a série chega em sua reta final para entregar-se ao sadismo puro dos roteiristas, com um “desfecho” decepcionante e totalmente inconclusivo do caso dos Baker e de Bryce, além de criar, de última hora, dois incidentes envolvendo Tyler e Clay que servem apenas como combustível para que uma possível (e aparentemente inevitável) 3ª temporada se concretize, tornando esta série uma espécie de Malhação dark da Netflix.

A 2ª temporada de 13 Reasons Why poderia ter aprendido com os erros e acertos do seu ano de estreia e calado seus detratores, mas que em vez disso preferiu sacrificar as chances de desenvolver boas histórias e abordar temas sensíveis com mais propriedade e sensatez em prol de uma infeliz e desesperada busca por sobrevida. Uma pena.


Entrevista: “13 Reasons Why pode durar muito bem mais uns 9 anos”, diz elenco

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