quinta-feira, março 28 2024

Samantha! (ênfase no tha!) é uma agradável surpresa que entrará nesta sexta, 6 de julho, no catálogo mundial da Netflix. A produção da Los Bragas de Felipe e Alice Braga é uma comédia que faz um passeio completo e nostálgico pela culturalmente rica e agitada década de 80 da TV brasileira, com uma infinidade de referências diretas, indiretas e vários easter eggs do que foi crescer nessa época.

Samantha, vivida com uma intensidade apaixonante por Emmanuele Araújo (A Lei do Amor), é uma ex-estrela mirim da TV aberta que até hoje vive em função do resquício de sucesso que teve quando criança. Obstinada a voltar ao estrelato de todas as maneiras possíveis, ela vê a oportunidade de brilhar quando os holofotes da mídia retornam à sua vida graças a libertação de seu ex-marido e ex-jogador de futebol Dodói (Douglas Silva, de Cidade de Deus) da prisão.

O texto é bem construído, ágil, e percorre com fluidez situações que são essencialmente inverossímeis, mas que funcionam no universo retratado e no tom que as personagens empregam. Um dos grandes destaques da atração é Marcinho, o “empresário” totalmente inescrupuloso da estrela, interpretado pelo mestre Daniel Furlan (Choque de Cultura), e que evidencia que a ideia da série é ser completamente descompromissada e desconectada com a realidade, tal qual a sua protagonista.

Samantha é tão presa aos anos 80 que seus momentos mais inspirados ocorrem quando seus conceitos se chocam com os do mundo atual, especialmente no quesito “fama” e “sucesso”. Isso fica claro quando ela conhece a personagem Laila (Lorena Comparato, ótima), uma ~digital influencer~ que tem milhares de fãs sem nunca ter aparecido na TV: “Antigamente o fã precisava comprar papel de carta, escrever à mão, ir ao correio, postar e esperar eu ler no ar. No seu caso é só tocar na tela pra dar o like (…) Uma carta naquela época vale uns 200.000 likes de hoje”, processa a ex-estrela ao ser confrontada pelas novas mídias.

Mas enquanto Emmanuele Araújo constrói uma personagem complexa e Douglas Silva é sempre convincente como o jogador “malandro”  e boêmio, o mesmo não pode ser dito do elenco infantil que completa o núcleo familiar de Samantha! Claramente o calcanhar de Aquiles da produção, as crianças da série prejudicam o bom ritmo cômico sempre que entram em tela, seja pelo texto enunciado demais, seja por sempre estarem envolvidas em tramas paralelas bobas e que nada acrescentam à comédia (uma num parquinho é irritante). Melhores que os filhos são os intérpretes dos Plimplons mirins, mas ainda assim jogam a série pra baixo, o que denota falta de uma preparação de elenco infantil melhor.

Tirando isso, Samantha! é uma comédia que é eficiente justamente por juntar toda aquela aura dos anos 80 numa mistura que faz sentido tanto pra quem conviveu com aquele universo, quanto pra quem o conhece apenas dos vídeos toscos do YouTube. Está tudo lá, desde a Turma do Balão Mágico e Simony, que obviamente inspiraram a história principal, mas também Xuxa, Mara, Angélica e a rivalidade velada entre elas, Bozo, Fofão, Fábio Júnior e toda aquela cafonice alucinante das ondas VHF comunais que só era possível num mundo antes das opções da TV paga ou da individualidade de consumo de conteúdo trazida pela Internet.

Esteticamente é uma sitcom de câmera única que adota uma estética novelesca (e aqui não sei se proposital ou não para fazer uma referência a esse formato), com planos e contra-planos fechados que funcionariam melhor no 4:3. Ainda assim, Samantha! entretém pelo absurdo (o mascote Cigarrinho era algo que seria plenamente normal naquela década) e se beneficia de ter poucos episódios (são apenas sete) e com alguns bons cliffhangers que fazem a gente devorar tudo de uma vez, mesmo tendo que fazer algumas concessões para certas escolhas e situações (como a do episódio do reality-show, o do comercial de cerveja e outros mais).

Leve, divertida e amalucada, Samantha! é um acerto da Netflix, que começa com o pé direito no gênero da comédia no Brasil. Ah, e boa sorte ao tentar tirar aquela música dos Plimplons da cabeça. Assisti a série há 4 semanas e ela continua aqui rotacionando sem parar como um vinil quebrado.


 

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