sexta-feira, março 15 2024

É no mínimo curioso como O Mecanismo faz de tudo para se posicionar como uma série apenas “levemente” inspirada em acontecimentos reais e, ao mesmo tempo, insere em sua nova abertura imagens de políticos, empresários e personalidades do mundo do qual ela pretende se afastar. Essa dualidade se mantém na 2ª temporada que, felizmente, traz alguns avanços em relação ao “mecânico” ano um (perdoe o trocadilho).

Dando sequência direta aos eventos da temporada anterior, os novos episódios começam com a força-tarefa da Operação Lava-Jato de Verena (Carol Abras) se concentrando no chamado “Grupo dos 13”, diretores das principais empreiteiras envolvidas no maior esquema de corrupção da história do país, e a prisão do maioral Ricardo Brecht, da Miller & Brecht. Enquanto isso, Marco Ruffo (Selton Mello, murmurando menos) gasta as energias que lhe resta para encontrar Ibrahim (Enrique Diaz, excelente como sempre) a qualquer custo. 

Assim, o primeiro ato da temporada tem traços de um thriller, com o jogo de gato e rato conduzido em paralelo pelos protagonistas, que invariavelmente converge para o mesmo destino, conforme bem sabemos. Enquanto isso, em Brasília, as articulações para tentar “barrar” a investigação se intensificam, mas encontram resistência no juiz Rico, cujos contornos de vaidade vagamente pincelados na primeira temporada ganham uma dimensão bem maior (falo disso adiante).

Infelizmente, os personagens – com a exceção de Ibrahim – continuam todos extremamente unidimensionais e servindo apenas para ditar uma interminável sequência de frases prontas e de efeito, como se fossem manchetes saídas das revistas “Leia”, do jornal “Folha do Brasil” e do programa de análise política “Em Pauta”. Isso torna a representação dos notórios personagens bastante prejudicada, como no caso do Ricardo Brecht, retratado como um “robô” e dos políticos Lemes, Thames, Penha, Gino, Janete etc., que surgem em cena somente para exibir traços simplórios e bem mal desenhados de suas personalidades públicas.

Há uma certa “mea culpa” de Padilha e dos roteiristas com relação à representação de alguns momentos importantes desta narrativa, mas O Mecanismo continua carecendo de um maior distanciamento histórico dos fatos para poder se beneficiar de uma análise menos impulsiva e incompleta. Isso fica claro na mudança significativa da representação do juiz Rico, que anteriormente era visto como um sujeito meticuloso, ético e motivado e agora, subitamente, se transforma num ser vingativo, rancoroso e bem mais vaidoso do que antes, visto que José Padilha – produtor-executivo da série – entendeu que “estava errado” sobre suas impressões acerca da figura real que inspira este personagem, conforme editorial publicado em jornal. Essa mudança soa mais como um ataque bobo do realizador do que justificada pela trama que construiu no primeiro ano.

Em seu segundo ato, O Mecanismo se torna mais lenta e repleta de momentos para “preencher tempo de tela” com a perseguição de Ibrahim no Paraguai – cheia de vai e volta – e também com o gasto desnecessário de tempo com tramas paralelas pessoais de Ruffo, Verena e dos demais companheiros dela na Polícia Federativa, que não dão a lugar algum e não acrescentam absolutamente nada à trama e às motivações dos agentes, a não ser a tentativa falha de dar um contexto que não pedimos. Toda a trama com o filho da secretária da Miller & Brecht, por exemplo, se estende muito mais do que deveria.

Apenas em seu ato final é que o drama novamente engrena quando passa a focar na condução coercitiva de Gino e, claro, no processo de impeachment de Janete (chamado de “Golpe” por Ruffo). O problema aqui é que O Mecanismo volta a se tornar um exercício bastante superficial de interpretação dos fatos com os quais se baseia, limitando-se a reproduzir marcos, falas e acontecimentos, sem qualquer ambição narrativa, como se a mera “menção” bastasse para envolver o espectador. Há também um claro direcionamento para que a série se torne mais “equilibrada” ao abordar os malfeitos cometidos por empresas e partidos (quando, na verdade, ela precisa é de um posicionamento firme e menos ingênuo). Isso fica muito claro nas cenas em que Ruffo embaraçosamente constroi uma “Casa de Cartas” para identificar o que todos sabem (a corrupção é algo endêmico e sistêmico no Brasil), como se estivesse descobrindo a roda.

Padilha já demonstrou ser um realizador competente em obras como Tropa de Elite 1 e 2, Ônibus 174 e Narcos,e o que difere estas atrações da mediana O Mecanismo é justamente uma análise mais distante, porém mais assertiva e complexa da dura realidade. A 2ª temporada possui um ritmo melhor e constroi bem a narrativa convergente, inclusive com a inclusão de um “certo” deputado que coloca o Brasil acima de todos e Deus acima de tudo. O problema é que logo a trama vai alcançar a sórdida realidade, que já mostrou que esse buraco em que vivemos não tem fundo. Será no mínimo interessante ver como os realizadores conduzirão a história quando isso acontecer.

A temporada já está disponível na Netflix.