quinta-feira, março 14 2024

É no mínimo inusitado que Chernobyl tenha virado o sucesso que virou enquanto a HBO, tanto nos EUA quanto no Brasil, estreou a minissérie como uma espécie tapa buraco de programação (lá exibida às segundas e, aqui, às sextas), sem qualquer incentivo em divulgação. Assim, no ano em que a emissora finalizou sua grande saga épica de 8 temporadas com uma desgastada temporada final (falo, óbvio, de Game of Thrones), foi justamente esta pequena produção de cinco episódios, em parceria com o canal britânico Sky Atlantic, que ajudou a blindar a marca que sempre esteve relacionada ao conteúdo premium televisivo de tantas críticas e até de muito hate.

Não foi por sorte que Chernobyl caiu nas graças do público e crítica em todo o mundo, mas foi o boca a boca que ajudou a impulsioná-la. A minissérie criada por Craig Mazin, um roteirista majoritariamente de comédias (Se Beber Não Case 2 e a franquia Todo Mundo em Pânico), conta a hoje quase esquecida história de uma das piores catástrofes humanas do planeta – a explosão da Usina Nuclear de Chernobyl, na Ucrânia, em 26 de abril de 1986. É uma obra-prima da TV dirigida por Johan Renck (Breaking Bad) e fascina justamente por retratar, com uma riqueza de detalhes e autenticidade precisa (reconhecida por críticos russos), não apenas o acidente em si, como também a ameaça implacável que é a radioatividade numa escala em que qualquer um pode se relacionar e, claro, temer.

Além disso, o excelente roteiro é bastante técnico e seguro não apenas na parte científica (as explicações são sempre extremamente didáticas), como também na esfera política. Beneficiados pelo distanciamento histórico dos fatos que contam, os roteiristas souberam evitar com proeza a fácil tentação de registrar os personagens como se todos fossem “monstros soviéticos” e foram capazes de contar uma história humana no meio de tantas mentiras, ganância e decisões ideológicas que seguiram na farsa criada pelo Kremlin para tentar abafar o caso.

Parte disso foi possível graças ao talentoso ator Jared Harris (Fringe), que dá vida ao cientista Valery Legasov, personagem real e que foi instrumental não apenas na contenção do desastre, como também na decisão de expô-lo ao mundo. Complementam esse time a sempre ótima Emily Watson e o veterano Stellan Skåsgard, como, respectivamente, a fictícia cientista Ulana Khomyuk (cujo papel sintetiza os profissionais que ajudaram a URSS após a explosão do reator nuclear) e Boris Shcherbina, um enviado do Partido Comunista encarregado de por panos quentes em tudo e evitar que a nação sofresse uma humilhação mundial.

Repleta das mais tensas sequências vistas recentemente na TV, Chernobyl assusta sem precisar fazer muito: basta um plano que mostra um pássaro caindo morto no chão em um dia ensolarado para evidenciar o terror invisível atrelado à mera exposição de material radioativo que acabou com a vida na Zona de Exclusão (englobada por regiões da Ucrânia, Bielorrússia, Rússia, Escandinávia e parte da Europa oriental) e praticamente marcou o início do fim da União Soviética. É óbvio que a produção também traz sem rodeios as horripilantes cenas das consequências inimagináveis que a exposição radioativa carrega, tanto no ser-humano quanto na natureza. O episódio sobre os cachorros é desolador, mas necessário para retratar além do custo humano de tanta corrupção e incompetência.

Mas talvez o que mais choca em Chernobyl é que a minissérie materializa de forma extremamente eficiente custo alto que a mentira e a ignorância podem ter no próprio destino da humanidade, independente de quem seja que a está proferindo (se governos autoritários de esquerda ou direita) por poder e controle de narrativas. Como o próprio Legasov diz, o primeiro a entender a real dimensão do potencial danoso da catástrofe, são “as verdades inconvenientes que levam às mentiras, mas é a verdade que sempre vai prevalecer na História”.

São apenas cinco episódios que sintetizam, sem sobrar ou faltar, os principais acontecimentos envolvendo o desastre da Usina Nuclear de Chernobyl e os pontos mais importantes deste triste capítulo da humanidade. É uma minissérie que triunfa em todos os seus aspectos, com um texto rico e impecável, um design de produção que retrata o contexto de época como nenhuma outra produção ocidental já fez e atuações todas dignas de prêmios.

Chernobyl é a melhor produção que estreou em 2019 até agora e certamente figurará entre as melhores desta década televisiva.

(Chernobyl é uma minissérie e não terá segunda temporada. Os episódios podem ser assistidos na HBO GO e NOW.)