sexta-feira, março 15 2024

Enquanto American Gods é uma série audaciosa, porém problemática e que se leva a sério demais, uma outra produção baseada na obra do mesmo autor, Neil Gaiman (aqui co-autor com Terry Pratchett) chega sem nenhuma prepotência e consegue um feito muito maior graças à sua capacidade de rir com os absurdos de sua história, que é um conto de fadas apocalíptico e divertidíssimo e perfeitamente embalado pela música do Queen.

Good Omens é uma delícia de assistir. Grande parte graças ao casting perfeito dos protagonistas (que são antagonistas de si): o anjo Aziraphale e o demônio Crowley vividos com uma intensidade vivaz raramente vista em tela por Michael Sheen (The Good Fight) e David Tennant (Jessica Jones). Os dois conduzem com os pés nas costas uma história absurdamente fantástica de uma amizade de milênios.

Presentes na Terra desde a sua “criação”, Aziraphale é o ying do yang de Crowley e suas funções neste plano são a de manter o equilíbrio entre o “bem” e o “mau” até que o Grande Plano do Apocalipse seja colocado em prática com a chegada do Anticristo. Tendo vivido em todas as eras, as entidades outrora rivais acabam desenvolvendo um inusitado afeto entre si até perceberem que a “política” do Céu x Inferno ativamente busca uma guerra desnecessária e que, no fim dos tempos, só vai dar mais trabalho.

Good Omens é extremamente eficaz em retratar por meio de perspectivas interessantes diversas passagens – bíblicas e históricas – confundindo as duas num roteiro rico e colorido, graças ao estupendo trabalho de figurino, maquiagem (gente, as perucas!) e, claro, do design de produção que coloca, por exemplo, o céu no topo de um arranha-céu e o inferno em porões sujos e burocráticos e seus representantes como funcionários de uma gigante repartição (ao bom exemplo de The Good Place), cavaleiros do apocalipse como motoqueiros e assim pro diante.

Questionadora, a minissérie a todo tempo “ataca” profecias, divindades e personagens históricos com uma metralhadora de bom humor do texto afiado e sarcástico. Em determinado momento, enquanto testemunham a crucificação de Cristo, Crowley questiona: “o que ele fez?”, ao que Aziraphale respondeL “disse pro homem amar e respeitar ao próximo.

“É… Isso é o suficiente“, ironiza o demônio.

Repleta de efeitos visuais extraordinários, a comédia do Prime Video é ágil (jamais cansativa), certeira e sempre hábil em manter o interesse do espectador, fazendo com que torçamos para os personagens, mesmo diante de tanto nonsense. Ainda, a minissérie navega bem com suas “regras malucas” de seu universo, sem prejudicar o desenvolvimento da narrativa com (quase literais) Deus ex machina (recurso textual em que uma complexa trama se resolve num passe de mágica).

É com muita mágica e excelente química entre Sheen e Tennant, ampliada pelo elenco ultra estrelado que conta com Frances McDormand (Três Anúncios para um Crime), Michael McKean (Better Call Saul), Mireille Enos (The Killing), Jack Whitehall ( Travels With My Father), Jon Hamm (Mad Men), Nick Oferman (Parks and Recreation), Benedict Cumberbatch (Doutor Estranho), que Good Omens se torna uma maravilha da TV moderna e uma parada obrigatória no meio de tantas opções do streaming.