quinta-feira, março 28 2024

Em poucas horas após o súbito cancelamento de The OA pela Netflix, tanto a série quanto sua criadora e a hashtag #SaveTheOA estavam nos trending topics mundiais pelo Twitter. O público que por duas temporadas acompanhou a arrojada série ficou extremamente desapontado – e com razão – pela decisão da empresa, que sequer deu oportunidade para que o drama tivesse um desfecho.

Quem também se manifestou foi a própria Brit, que além de criadora, roteirista e produtora-execuiva, também estrela a atração como Prairie, a Original Angel. Leia a carta que ela divulgou aos fãs:

“Queridos Fãs de The OA

Alguns já sabem e outros vão descobrir agora por esta carta que a Netflix não vai dar sequência a The OA. Zal (o cocriador) e eu estamos muito tristes de não poder finalizar a história. Assim que eu li a notícia, chorei bastante, assim como um de nossos executivos na Netflix que estava com a gente desde o início quando ainda esquematizávamos a produção no chão de nosso escritório no Queens. Foi uma jornada intensa pra todo mundo que trabalhou e se importou com essa história”

Alguém me perguntou num painel “por que é tão obcecada com ficção científica” Eu não havia percebido que eu era obcecada ou que a maior parte das narrativas que escrevi até hoje estavam neste gênero. Eu fui pega de surpresa. A pergunta saiu meio como uma acusação de alguém que não curte o gênero, então eu apenas respondi “Bem, é divertido criar mundos?” Mas eu pensei muito sobre isso depois e eu acho que a resposta mais parecida com a verdade é essa:

É difícil estar inspirada para escrever histórias sobre o mundo “real” quando eu nunca me senti livre nele. Como mulher escrevendo personagens pra mim mesma e para outras mulheres, frequentemente senti que os caminhos abertos em narrativas são limitados. Talvez um dia eu estarei evoluída o suficiente para trilhar meus próprios caminhos na realidade, mas até o momento eu sempre me senti obstruída.

Eu consigo escrever sobre as poucas mulheres “no topo”, mas aí eu estaria perpetuando as mesmas hierarquias que nos oprimem (e apenas mudando o foco da opressão para outrem). Eu posso escrever sobre a vasta maioria das mulheres na base econômica, mas o poder de mover imagens e atores carismáticos usualmente glamorizam ou mantêm o estereótipo. Eu posso escrever sobre mulheres que se auto depreciam que expõem as diversas desigualdades de gênero para diversão, mas aí, como Hannah Gatsby apontou em seu brilhante especial Nanette, de alguma forma eu estou trocando minha humilhação por um holerite e a chance de poder entrar nesse clube.

A ficção científica despiu esse mundo “real” de mim. A ficção científica nos permite imaginar qualquer coisa no lugar e por isso a gente imaginou. Nós imaginamos que o coletivo é mais forte que o indivíduo. Imaginamos que não há herói. Imaginamos que as árvores de São Francisco e um polvo gigante tinham vozes que poderíamos entender e que deveríamos ouvir. Imaginamos humanos como uma espécie entre outras e não necessariamente o mais esperto e evoluído. Imaginamos momentos que aproximou pessoas diferentes num mesmo ambiente, fizemos elas se moverem e arriscarem sua vulnerabilidade pela chance de pisar num novo mundo.

Isso é o que The OA foi pra mim, pro Zal e pra todos os outros artistas que se uniram a nós. A chance de pisar num novo mundo e se sentir livre. Temos profunda gratidão à Netflix e às pessoas que trabalharam para fazer possível acontecer a Parte I e a Parte II. Estamos orgulhosos desses 16 episódios. Na maior parte, milhões e milhões de vocês nos deram esse sentimento de orgulho por estarem assistindo e comentando, fazendo artes derivadas e teorias próprias, os Movimentos que vocês executaram em praças, quartos, baladas e quintais pelo mundo.

Enquanto a gente não pode finalizar essa história, posso prometer que vamos contar outras. Eu não descobri ainda outra forma efetiva de lidar com o fato de estar viva na antropocena. Talvez, de alguma forma, seja OK não poder concluir a história desses personagens. Steve Winchell estará suspenso no tempo em nossas imaginações, infinitamente evoluindo, pra sempre correndo até chegar à ambulância e à OA.


Com amor,

Brit.