quinta-feira, março 14 2024

Eu estive nos sets de filmagem de Pico da Neblina, a nova e surpreendente série da HBO que estreia neste domingo (4) às 21h. Ela se passa em uma realidade alternativa onde a maconha acabou de ser liberada no Brasil e, pela visão de Biriba (Luís Navarro, Pega Pega), do seu amigo e cliente Vini (Daniel Furlan, Choque de Cultura, Samantha!) e do traficante Salim (Henrique Santana), a trama percorrerá as mudanças, desafios e riscos envolvidos nesse novo cenário político, social e comportamental no país.

Foi numa tarde quente de dezembro que eu fui acompanhar o diretor-geral Quico Meirelles (Os Experientes) no comando das gravações do primeiro episódio. A ambientação era o apartamento de Vini (Furlan), um consumidor assíduo do produto que tem a “brilhante” ideia de abrir, junto do seu fornecedor Biriba (Navarro), uma loja de maconha para surfar na nova onda.

Logo de cara o que chamou a atenção foi o fato das cenas serem gravadas num apartamento real na zona sul de São Paulo em vez da produção utilizar o conforto e a tranqulidade de um estúdio. A condução de Meirelles era eficaz e rapidamente, graças ao talentoso elenco, eles gravavam uma cena e com muita agilidade partiam para a próxima, algo raro de se ver em produções televisivas. Notei também uma certa liberdade aos atores presentes de dar uma certa “improvisada” em cima do texto, para deixá-lo mais fluido e coloquial em vez de marcações e entonações decoradas e inverossímeis (a gente vê que o resultado funciona – e muito bem – logo no primeiro episódio).

Henrique Santana, que interpreta o traficante Salim, foi o primeiro com quem falei e ele ressaltou de cara a complexidade de se rodar Pico da Neblina fora de ordem:

“Já são 5 meses gravando e o Salim está em constante mutação. São cinco meses gravando e por isso preciso fazer um trabalho de adaptação, pois a gente tem uma variação muito grande na atuação de uma cena pra outra, já que a gente grava por locação e não na ordem cronológica da história.”

Henrique Santana

Ele também contou mais sobre o seu personagem:

“O Salim é um cara que deu certo na periferia por meio do tráfico ou do crime e conseguiu se manter sem ser morto ou preso. Ele não é violento – ao contrário do que muita gente pensa do estereótipo da periferia – e é ele que vai medir o que vai acontecer com a economia do tráfego agora que o crime organizado vai perder o monopólio da maconha. O Salim começará a série em alta e pode ser que essa nova realidade venha a ser uma ameaça, ou pode ser que ele vai se enveredar para outras oportunidades.”

Henrique Santana

Também encontrei Daniel Furlan, nosso querido Renan do Choque de Cultura, no dia em que foi anunciada a nova temporada do humorístico na Globo e enquanto ele também estava no ar com Irmão do Jorel na Turner, roteirizando para o Lady Night no Multishow, estrelando Samantha!, na Netflix, escrevendo para uma coluna na Folha e gravando sua nova série da HBO – eu o chamei de “novo Porchat”, alcunha que ele divertidamente se recusou a ter: “o Porchat é o novo Porchat”!

Ele falou um pouco mais sobre seu personagem, o Vini:

“Pico da Neblina é a expressão de quando a turma se reúne pra ir ‘lá em cima fumar um’, e o Vini tem a ideia de dar uma gourmetizada na maconha e criar uma loja conceitual. Ele é um cara que tem um pai com grana e tem a facilidade de conseguir investimento, mas depois que ele perdeu muito dinheiro com umas ideias erradas como lan house, paleteria, aplicativos inúteis etc., ele tem sempre essa nuvem de que todo novo negócio dele vai dar errado. É um cara meio que um rapper de condomínio, meio playboy.”

Daniel Furlan

Para ele a série não se pretende a discutir tudo sobre legalização, mas sim de fazer um exercício muito pontual sobre a nova realidade do ponto de vista do traficante de maconha vivido pelo Luís Navarro. O intérprete do Biriba também conversou comigo no dia:

“O Biriba sustenta sua família com esse trabalho ilegal até então e pilhado pelo Vini, decide abrir essa loja. Ele é um cara estudado, mas teve que largar a faculdade pra poder cuidar da família. Ele não é aquele cara ‘tiro, porrada e bomba’, que não tem grandes ambições como um Pablo Escobar da vida, mas ele só apanha, que é a realidade do brasileiro periférico que volta pra casa todo dia com a sensação de que o sistema te ferra todo dia. E, de tanto apanhar, uma hora ele se cansa. Ele é um herói brasileiro, pra mim.”

Luís Navarro

Quico Meirelles, diretor-geral de todos os episódios e showrunner, por fim, aprofundou um pouco mais sobre o que veremos nessa primeira temporada de Pico da Neblina:

“A cena que você viu aí é do primeiro episódio e se passa logo após a maconha acabou de ser legalizada no Brasil. É aqui nesse apartamento que nasce a ideia deles de abrir uma loja para vender a mercadoria. O Biriba tá bem deprê, mas depois de encontrar o Vini ele sai daqui com um ânimo novo.”

Quico Meirelles

A um mês da posse do novo governo ultra-conservador, Quico falou que a ideia de Pico da Neblina não era a de contar somente “como seria” se isso acontecesse. Não se trata de uma distopia, é a mesma realidade, mas com esse elemento externo diferenciado, sem entrar no mérito da discussão em si. O ponto de partida é a aprovação:

A estrutura de roteiro tem uma referência dramatúrgica, mas não visual, que veio de Breaking Bad. Só que aqui é um “Breaking Good”, porque eles começam fora-da-lei, mas com a legalização eles precisam descobrir – e grande parte do conflito está nessa área cinzenta – da descriminalização para a burocratização, que é o que acontece no Brasil. Não é descaradamente uma comédia, mas tem cenas engraçadas e personagens divertidos e umas surpresas que a gente tá guardando.”

Quico Meirelles

Pico da Neblina estreia esta noite às 21h na HBO. Assista também minha entrevista com eles: