sexta-feira, março 29 2024

Em decisão irresponsável e que logo será revertida na 3ª instância [Atualização: e foi!], um desembargador da 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro determinou por meio de liminar a censura descarada à Netflix para que retire do ar o especial de Natal do Porta dos Fundos intitulado A Primeira Tentação de Cristo. O pedido veio em ação movida pela entidade conservadora Associação Centro Dom Bosco de Fé e Cultura, com respaldo do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. Na primeira instância a entidade havia perdido o processo, quando a juíza Adriana Jara Moura havia dado o veredito de que o humorístico não viola o direito à liberdade de crença. A mesma entidade, de extrema direita católica, também já atacou o próprio Papa.

O programa já havia causado alvoroço na comunidade religiosa por sugerir um Jesus Cristo homossexual, o que acabou motivando um grupo de terroristas a atear coqueteis molotov na produtora responsável pela atração. Um dos responsáveis, Eduardo Fauzi (ex-filiado ao PSL) fugiu para a Rússia e agora está sendo procurado pela Interpol.

Sem julgar o mérito, o desembargador, que demonstra desconhecer o direito à liberdade de expressão e sátira previsto na Constituição Federal, determinou a censura com a justificativa absurda de “acalmar os ânimos”, em prol de uma sociedade “majoritariamente cristã”, e chegou ao cúmulo de criticar a reação de “deboche” dos comediantes. Isso, em pleno Estado Democrático de Direito, é inaceitável.

O Porta dos Fundos não é, nem de longe, o primeiro grupo de humor a alfinetar a religião cristã. Os lendários Monty Python e diversos comediantes no Brasil e no mundo já veicularam esquetes ou textos sobre tais instituições, que não estão imunes a crítica ou sátira.

Entramos em contato com a Netflix, que disse que não tem, no momento, nenhum posicionamento a oferecer. Também procuramos a Viacom, acionista do Porta dos Fundos, que ainda não se manifestou.

O Porta dos Fundos afirmou a este site, por meio de sua assessoria, que ainda não foi notificado da liminar.

A OAB declarou, em resposta ao site G1, que o caso trata-se sim de censura. Eis a declaração da entidade, por meio do seu presidente:

“A Constituição brasileira garante, entre os direitos e garantias fundamentais, que ‘é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença’. Qualquer forma de censura ou ameaça a essa liberdade duramente conquistada significa retrocesso e não pode ser aceita pela sociedade”.

Felipe Santa Cruz, presidente da OAB.