quinta-feira, março 28 2024

Em 2019 um dos melhores documentários foi Sobreviver a R. Kelly (Surviving R. Kelly) do canal Lifetime. Em seis devastadores episódios, a minissérie percorreu os perturbadores relatos de abuso sexual, físico e pedofilia do astro da música R&B pelo olhar de algumas de suas vítimas, incluindo sua ex-mulher Andrea Kelly, aqui auto-identificadas como sobreviventes.

Agora, o canal anuncia para os dias 17, 18 e 19 de abril a segunda parte do documentário, intitulado Sobreviver a R. Kelly: Acerto de Contas, que foi exibido nos EUA em janeiro e traz novas vítimas e surpreendentes revelações, e também mostra a repercussão da primeira temporada, que chegou este mês à Netflix com o nome “Sobrevivi a R. Kelly“. As sobreviventes, como Asante McGee, Faith Rodgers e Lizette Martinez, dão novos e emocionantes depoimentos sobre as perseguições que sofreram e até das ameaças de morte que receberam após compartilharem suas histórias.

Ex-funcionários e familiares de R. Kelly também participam dos episódios, trazendo detalhes inéditos sobre a vida pessoal e infância do astro. Ainda, para garantir diferentes perspectivas sobre os acontecimentos, a série traz entrevistas com jornalistas, psicólogos, advogados e apoiadores de R. Kelly. Assista ao trailer:

Mais que uma peça meramente acusatória, tendo em vista que os fatos escusos que permeiam a carreira do cantor são notórios e registrados – de perambular perto de escolas e shoppings, envolver-se com a falecida cantora Aaliyah quando ela tinha apenas 13 anos e até criar um culto sexual com menores -, o documentário realiza um profundo estudo, inclusive com a ajuda de psicólogos e especialistas, sobre como a sociedade permitiu que tal comportamento prosperasse impune até os dias de hoje, notadamente pelas vítimas serem majoritariamente negras.

Impossível, aliás, não traçar um paralelo entre Sobreviver a R. Kelly com o igualmente avassalador Deixando Neverland da HBO. Tal qual os relatos das vítimas de Michael Jackson, R. Kelly também utiliza a técnica de grooming para atrair suas vítimas, mas aqui com a promessa de ajudar em suas aspirantes carreiras de cantoras. A diferença principal, e que a produção de Nigel Bellis (Murderous Affairs) e Astral Finnie (United Shades of America) destaca muito bem, é que os malfeitos de Kelly estão muito mais documentados (inclusive pelo próprio predador sexual), que os de Jackson, além de Kelly estar vivo (ele nega tudo) e continua supostamente comentendo seus crimes. Há, também, uma infinidade de vítimas que – até hoje – estão desaparecidas de suas famílias no “culto sexual” que afirmam que ele mantém.

Alvo de diversas campanhas como #MeToo e #MuteRKelly, o mais impressionante desta atração é, contudo, presenciar quão malicioso R. Kelly é até quando está dentro dos holofotes, chegando a inserir em suas próprias músicas trechos que mostram quem ele realmente é, se “escondendo em plena luz do dia”. Há, aliás, diversos alertas de gatilho por todo o documentário, devido a linguagem e ao conteúdo apresentado, e em muitos instantes precisei pausar antes de poder continuar (os momentos em que uma das mães desesperadamente busca por sua filha em um hotel ou quando uma das vítimas retorna a um dos quartos em que era mantida são de revirar o estômago).

Em março deste ano, o artista de 53 anos foi alvo da 13ª acusação, de pedofilia. Ele se diz inocente, como em todas as demais. Em seu auge, na década de 90, R. Kelly gravou com Michael Jackson, Jennifer Lopez, Celine Dion, entre outros. Os boatos sobre supostas agressões sexuais e relações com menores de idade já circulavam há vinte anos, mas se confirmaram depois da polêmica produção do Lifetime. Além dos contratos com gravadoras, R. Kelly perdeu todo o prestígio que tinha com a classe artística e muitas músicas com participação dele foram excluídas dos álbuns digitais e serviços de streaming.

Desde que foi ao ar no começo de 2019, o cantor desapareceu das redes sociais e diversas ações judiciais buscam indiciá-lo pelos crimes, incluindo uma por ter falsificado documentos para se casar-se com Aaliyah aos 15 anos. Infelizmente, desde o primeiro julgamento onde ele saiu livre por supostamente ter feito um acordo com a família de uma de suas vítimas menor de idade (a que aparece sendo urinada no rosto por ele em um vídeo caseiro), Kelly tornou-se muito bom em se manter nos limites da Lei – seja abordando garotas jovens (ou melhor, “pequeninas“, como ele mesmo admite que gosta) logo após atingirem a idade de consentimento para evitar a presunção de estupro, seja criando um sistema onde suas vítimas são impossibilitadas de conversar com terceiros ou portar aparelhos celulares. Todas, relatam, são obrigadas a chamá-lo de “papai” e obedecer a um restrito conjunto de regras até mesmo para receberem alimento, enquanto vivem em sua comunidade de humilhação e degradação sexual.

Após o documentário, R. Kelly sentou-se com a repórter Gayle King da CBS News e deu uma entrevista completamente descontrolado, assista: